DANIEL COHN-BENDIT - UM HOMEM DA SUA ÉPOCA
- O eurodeputado
franco-alemão, Daniel Cohn-Bendit, anunciou no Parlamento Europeu a
decisão de pôr fim à sua já longa carreira política, no final de cerca de
46 anos de activismo e enorme mediatização pública. O ponto mais alto
dessa mediatização ocorreu precisamente há 46 anos, quando emergiu como o
rosto mais visível do movimento do protesto estudantil que explodiu em
França e que passou para a história com o nome de Maio de 68 – marco de um
protesto que, depois, se espalhou por largas partes do mundo,
especialmente na Europa e na América Latina.
- Para as gerações
actuais, quer na Europa, quer em outras partes do mundo, o nome de Daniel
Cohn-Bendit não quererá dizer nada ou quase nada. Para a minha geração,
ele foi o contestador mais famoso de uma época que exigia profundas
mudanças, muitas das quais ficaram apenas pelo sonho…
- Fazendo uma análise
retrospectiva, vejo que a contestação social de 1968, de que Daniel
Cohn-Bendit se tornou o grande emblema, resultou dos fenómenos
contraditórios emergentes do desenvolvimento do modelo capitalista na
Europa – e um pouco por todo o mundo – assim como dos decorrentes da
implantação do “socialismo real” no chamado Bloco do Leste europeu. Decidi,
por isso, revisitar esse período histórico. Vamos, pois, ao relato, mesmo
que sucinto, do acontecido.
- Tudo começou com a
eclosão de greves em algumas universidades e escolas de ensino secundário
em Paris, após confrontos com a administração e a policia. À repressão
policial, os estudantes franceses responderam com a convocação de uma
greve geral que foi acompanhada por boa parte dos trabalhadores que também
decidiram pela ocupação de fábricas em toda a França.
- O envolvimento da
classe trabalhadora deu outra dimensão ao movimento de contestação
iniciado pelos estudantes, pondo em causa o poder do general Charles De
Gaulle, então Presidente francês.
- Os líderes
estudantis reivindicavam o fim dos valores da “velha sociedade”, e o
surgimento de novas regras de funcionamento no sistema educativo, o
abandono dos velhos conceitos sobre a sexualidade e o prazer. Tiveram,
assim, o apoio explícito de renomados pensadores da época, mesmo que
alguns, como o filósofo Jean-Paul Sartre, tenham posteriormente declarado
não ter entendido bem o que realmente queriam aqueles jovens
contestatários, tal era a heterogeneidade do movimento…
- A contestação
juvenil aderida inicialmente pela classe trabalhadora foi todavia vista com
alguma relutância quer pelos sindicatos dos operários, quer pelo Partido
Comunista Francês, na época muito próximo dos cânones do Stalinismo.
- O general Charles De
Gaulle decidiu, então, realizar eleições, e satisfazer algumas das
principais reivindicações dos trabalhadores – como, por exemplo, aumentos
salariais e melhores condições de trabalho – provocando, assim, a corrosão
e a desmobilização do movimento de contestação que estava a pôr em causa o
seu poder.
- Embora se tenham
travado combates de rua entre estudantes e forças policiais, as reivindicações
estudantis eram assumidas, sobretudo, pela exibição de cartazes onde se
podiam ler frases como: “A imaginação ao poder”, “Abaixo o realismo
socialista. Viva o surrealismo!”, “É proibido proibir”, etc. Havia aqui,
pois, uma mescla de esquerdismo com anarquismo, deixando também de
sobreaviso os próprios líderes do Bloco Comunista Europeu.
- O grande inspirador
da chamada Nova Esquerda, Herbert Marcuse, transformou-se num dos
principais apoiantes dos estudantes revolucionários que tiveram igualmente
a adesão de outros intelectuais, entre os quais cineastas famosos como François
Truffaut e Jean Luc-Godard. Inspiraram ainda músicos como os Beatles -
através de “Revolution” - e os Rolling Stones – que compuseram “Street
Fighting man”.
- O movimento insurreccional
ganhou adesão no próprio espaço político dominado pela então União
Soviética, de que resultou a chamada “Primavera de Praga”, de Alexansder
Dubcek, com a implantação do seu “socialismo humano”, reprimido pelos
tanques de guerra do então Pacto de Varsóvia. E foi para além da Europa,
para o Brasil e para o México.
- De certa forma, a
minha geração política e académica é também tributária desse movimento de
contestação que nasceu nos meios estudantis da Universidade de Nanterre,
nos arredores de Paris, e que rapidamente mereceu a adesão da Sorbonne,
estendendo-se até mesmo para universidades no Japão.
- O pano de fundo de
tudo isso era a insatisfação de uma geração de novos actores sociais que
estimularam a acção posterior de movimentos ambientalistas, defensores dos
direitos humanos, lutadores pelos direitos das minorias, a luta contra a
segregação racial e outras formas de discriminação.
- Fazendo hoje um
balanço, é justo dizer que o movimento reivindicativo que teve em Daniel
Cohn-Bendit o seu rosto mais visível deixou marcas indeléveis no percurso
da nossa história moderna – mesmo que os historiadores de agora lhe
reconheçam a falta de um ideário bem estruturado.
- É justo, pois, o
modo como o Parlamento Europeu lhe rendeu homenagem, ao reconhecer a validade
do papel que desempenhou ao longo destes anos – vinte dos quais como euro
deputado.
- Por mim, e pelos que
comigo comungaram os ideais de liberdade, aqui vai o nosso abraço
fraterno, quando decides, agora, colocar ponto final a mais uma fase da
tua luta por um mundo melhor.
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