segunda-feira, 31 de março de 2014

O “ASSOPRO” E O “ASSOPRADO”


  1. A venda ambulante na cidade capital tornou a convocar a atenção da opinião pública, por duas razões interligadas: porque, recorrendo sobretudo às redes sociais, alguém terá anunciado a convocação, para o dia 15 de Março, de uma manifestação pública em que os protagonistas seriam as chamadas “zungueiras” e, creio também, os “zungueiros”; e porque, em jogada de antecipação, e com o claro objectivo de frustrar essa intenção, o Governador Provincial de Luanda resolveu convocar para o Pavilhão da Cidadela, um encontro com o mesmo público-alvo, precisamente para o dia anterior ao da realização da manifestação.

 
  1. No Sábado, dia 15, desde muito cedo, era já bem visível um forte aparato policial nas cercanias do Largo 1º de Maio, e o próprio Largo encontrava-se literalmente envolvido por uma cerca metálica, ali posta para impedir que fosse utilizado como palco de protestos.


  1. Na nossa cidade, generalizou-se o uso da expressão “zungueiro”, quer para os vendedores ambulantes, quer para aqueles que se colocam num qualquer local fixo para proceder às suas vendas, desde que não seja nos chamados mercados formais, sob responsabilidade municipal.

 
  1. No momento da repressão, são, por norma, todos tratados da mesma forma, vendedores ambulantes e vendedores em locais fixos, desde que não devidamente autorizados: à paulada, sob uma chuva de porretes, por vezes, são mesmo varridos por bala real. Tal como também se reprimem outros tipos de manifestações, desde que não sejam de louvor e apoio às entidades oficiais.

 
  1. A história recente da nossa cidade regista inúmeros casos de vendedores e de vendedoras maltratados, feridos, ou até mesmo mortos por fiscais e polícias em acções de repressão que bradam aos céus.


  1. O triste episódio que vitimou o Secretário Geral do Bloco Democrático, o Dr. Filomeno Vieira Lopes, quando circulava no espaço contíguo ao Hospital Militar, é apenas mais um exemplo do modo violento como se tratam os cidadãos que ousam sair à rua em protesto.

 
  1. A intolerância política e o não respeito pela diferença, foram há cerca de 2 anos acrescidos com a morte, em circunstâncias escabrosas, de dois activistas – por sinal, os ex-militares Isaías Cassule e Alves Kamulingue – de que ainda se espera o descobrimento de toda a verdade e o pronunciamento final da justiça.


  1. Desta vez, optou-se por alterar a forma de actuação: não mais o rapto, agressão e desaparecimento temporário (ou definitivo) dos organizadores das manifestações, mas, sim, o exercício de uma jogada política de antecipação. O que faz com que nem mesmo o esforço abnegado de certos intelectuais que tudo fazem para “polir” a já desgastada imagem pública de algumas instituições e individualidades consiga disfarçar o arreigado apego à intolerância.

 
  1.  Desta vez, porém, tivemos a possibilidade de ouvir da mesma boca que antes ameaçava tudo e todos com o recurso à violência e repressão, um discurso “moderado”. Só que essa repentina “moderação” foi manchada pelo cerco e gradeamento metálico do Largo 1ª de Maio. A mensagem estava, pois, passada: manifestações, nunca! A não ser que sejam de glorificação e louvor aos actos heróicos de quem manda!

 
  1. No encontro da Cidadela, o Governador de Luanda anunciou aos ambulantes que o “Camarada Presidente” o havia instruído para punir os fiscais e polícias que perseguem, agridem, torturam e violentam os ambulantes. E disse-o como se tivesse acabado, finalmente, de descobrir “a fórmula do carburex…”.


  1. Espanta-me, antes de mais, que tenha sido necessário o “Camarada Presidente” dar tal instrução ao “Camarada Governador”, quando há muito a sociedade vem clamando pelo fim da brutalidade exercida por certos agentes de autoridade que se esforçam por imitar os “Tom-Tom Macoute” dos tempos do “Papá Doc” no Haiti.

 
  1. Será que as autoridades locais não têm capacidade de discernimento para elas próprias perceberem que a solução para o problema da venda ambulante não passa pelo espancamento, e até, não poucas vezes, a morte das “zungueiras” e dos “zungueiros”?

 
  1. Como é habitual, e para não variar, lá veio de novo a invocação do nome do “Camarada Presidente” para a resolução de um problema que não apresenta qualquer complexidade…


  1. Maltratar gratuitamente o povo – como fazem os fiscais e alguns policias – não é, certamente, desconhecido pelos nossos dirigentes locais e centrais. Nem é nenhum acto heróico – É crime!

 
  1. Qualquer dirigente que se preze, no âmbito das suas responsabilidades, tem a obrigação de tomar as devidas medidas adequadas, para impedir que o crime se consuma e se repita, sem que, antecipadamente, tenha que ser “assoprado” pelo “Camarada Presidente”. Neste jogo de “assopradelas”, penso que alguém ocupa um lugar errado: presumo que seja o “assoprado”, pois demonstra dificuldade em perceber qual é o seu nível de responsabilidades…

 
  1.  E fico ainda mais confuso, quando ouço dizer que o “Camarada Presidente” orientou o “assoprado” para fazer uma “oferta” de dinheiro – cinco mil kwanzas – a cada “zungueira” presente no encontro, como forma de compensação pelo dia de trabalho perdido no encontro do Pavilhão da Cidadela…

 
  1.  Se é verdade, como se disse, que, no Pavilhão da Cidadela, estiveram presentes cerca de 12.000 pessoas, então, é fácil fazer a conta. A “oferta do Camarada Presidente” ronda o equivalente a 600.000 dólares. Não é justo agora eu perguntar ao “assoprado”, de que Orçamento saiu, afinal, este dinheiro, assim tão generosamente distribuído? Terá saído do Orçamento da Província? Terá saído de um “bolo” desconhecido, superiormente gerido?

 
  1. Será ainda que depois daquela estafa da reunião, as “zungueiras”, ainda tiveram que fazer uma bicha interminável, para receberem o kumbú? Ou foi-lhes indicado um Banco onde poderão levantar a “massa”? Ou tiveram que ir a um qualquer CAP onde, no momento da entrega da “bala”, receberam o seu cartão de membro? Enfim, é que certos “assopros”, por vezes, acarretam fenómenos inesperados…

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