O “ASSOPRO” E O “ASSOPRADO”
- A venda ambulante na
cidade capital tornou a convocar a atenção da opinião pública, por duas
razões interligadas: porque, recorrendo sobretudo às redes sociais, alguém
terá anunciado a convocação, para o dia 15 de Março, de uma manifestação pública
em que os protagonistas seriam as chamadas “zungueiras” e, creio também,
os “zungueiros”; e porque, em jogada de antecipação, e com o claro
objectivo de frustrar essa intenção, o Governador Provincial de Luanda
resolveu convocar para o Pavilhão da Cidadela, um encontro com o mesmo
público-alvo, precisamente para o dia anterior ao da realização da
manifestação.
- No Sábado, dia 15, desde
muito cedo, era já bem visível um forte aparato policial nas cercanias do
Largo 1º de Maio, e o próprio Largo encontrava-se literalmente envolvido por
uma cerca metálica, ali posta para impedir que fosse utilizado como palco
de protestos.
- Na nossa cidade,
generalizou-se o uso da expressão “zungueiro”, quer para os vendedores
ambulantes, quer para aqueles que se colocam num qualquer local fixo para
proceder às suas vendas, desde que não seja nos chamados mercados formais,
sob responsabilidade municipal.
- No momento da
repressão, são, por norma, todos tratados da mesma forma, vendedores
ambulantes e vendedores em locais fixos, desde que não devidamente
autorizados: à paulada, sob uma chuva de porretes, por vezes, são mesmo varridos
por bala real. Tal como também se reprimem outros tipos de manifestações,
desde que não sejam de louvor e apoio às entidades oficiais.
- A história recente
da nossa cidade regista inúmeros casos de vendedores e de vendedoras
maltratados, feridos, ou até mesmo mortos por fiscais e polícias em acções
de repressão que bradam aos céus.
- O triste episódio
que vitimou o Secretário Geral do Bloco Democrático, o Dr. Filomeno Vieira
Lopes, quando circulava no espaço contíguo ao Hospital Militar, é apenas
mais um exemplo do modo violento como se tratam os cidadãos que ousam sair
à rua em protesto.
- A intolerância
política e o não respeito pela diferença, foram há cerca de 2 anos
acrescidos com a morte, em circunstâncias escabrosas, de dois activistas –
por sinal, os ex-militares Isaías Cassule e Alves Kamulingue – de que ainda
se espera o descobrimento de toda a verdade e o pronunciamento final da
justiça.
- Desta vez, optou-se
por alterar a forma de actuação: não mais o rapto, agressão e
desaparecimento temporário (ou definitivo) dos organizadores das
manifestações, mas, sim, o exercício de uma jogada política de
antecipação. O que faz com que nem mesmo o esforço abnegado de certos
intelectuais que tudo fazem para “polir” a já desgastada imagem pública de
algumas instituições e individualidades consiga disfarçar o arreigado
apego à intolerância.
- Desta vez, porém, tivemos a possibilidade
de ouvir da mesma boca que antes ameaçava tudo e todos com o recurso à violência
e repressão, um discurso “moderado”. Só que essa repentina “moderação” foi
manchada pelo cerco e gradeamento metálico do Largo 1ª de Maio. A mensagem
estava, pois, passada: manifestações, nunca! A não ser que sejam de
glorificação e louvor aos actos heróicos de quem manda!
- No encontro da
Cidadela, o Governador de Luanda anunciou aos ambulantes que o “Camarada
Presidente” o havia instruído para punir os fiscais e polícias que
perseguem, agridem, torturam e violentam os ambulantes. E disse-o como se
tivesse acabado, finalmente, de descobrir “a fórmula do carburex…”.
- Espanta-me, antes de
mais, que tenha sido necessário o “Camarada Presidente” dar tal instrução
ao “Camarada Governador”, quando há muito a sociedade vem clamando pelo
fim da brutalidade exercida por certos agentes de autoridade que se
esforçam por imitar os “Tom-Tom Macoute” dos tempos do “Papá Doc” no Haiti.
- Será que as
autoridades locais não têm capacidade de discernimento para elas próprias perceberem
que a solução para o problema da venda ambulante não passa pelo
espancamento, e até, não poucas vezes, a morte das “zungueiras” e dos “zungueiros”?
- Como é habitual, e
para não variar, lá veio de novo a invocação do nome do “Camarada
Presidente” para a resolução de um problema que não apresenta qualquer
complexidade…
- Maltratar
gratuitamente o povo – como fazem os fiscais e alguns policias – não é,
certamente, desconhecido pelos nossos dirigentes locais e centrais. Nem é nenhum
acto heróico – É crime!
- Qualquer dirigente
que se preze, no âmbito das suas responsabilidades, tem a obrigação de
tomar as devidas medidas adequadas, para impedir que o crime se consuma e
se repita, sem que, antecipadamente, tenha que ser “assoprado” pelo
“Camarada Presidente”. Neste jogo de “assopradelas”, penso que alguém
ocupa um lugar errado: presumo que seja o “assoprado”, pois demonstra
dificuldade em perceber qual é o seu nível de responsabilidades…
- E fico ainda mais confuso, quando ouço
dizer que o “Camarada Presidente” orientou o “assoprado” para fazer uma “oferta”
de dinheiro – cinco mil kwanzas – a cada “zungueira” presente no encontro,
como forma de compensação pelo dia de trabalho perdido no encontro do
Pavilhão da Cidadela…
- Se é verdade, como se disse, que, no
Pavilhão da Cidadela, estiveram presentes cerca de 12.000 pessoas, então,
é fácil fazer a conta. A “oferta do Camarada Presidente” ronda o
equivalente a 600.000 dólares. Não é justo agora eu perguntar ao
“assoprado”, de que Orçamento saiu, afinal, este dinheiro, assim tão
generosamente distribuído? Terá saído do Orçamento da Província? Terá
saído de um “bolo” desconhecido, superiormente gerido?
- Será ainda que
depois daquela estafa da reunião, as “zungueiras”, ainda tiveram que fazer
uma bicha interminável, para receberem o kumbú? Ou foi-lhes indicado um
Banco onde poderão levantar a “massa”? Ou tiveram que ir a um qualquer CAP
onde, no momento da entrega da “bala”, receberam o seu cartão de membro? Enfim,
é que certos “assopros”, por vezes, acarretam fenómenos inesperados…
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