quinta-feira, 8 de maio de 2014

UMA NOVA ESPIRAL COMPETITIVA


  1. Há dias, escrevi um texto no qual destaquei a importância, para os Estados Unidos da América, da recente exploração do gás de xisto e do xisto betuminoso, na definição da política externa e, também, para o aumento da sua competitividade económica face à China, à Europa e a outras economias emergentes.

 

  1. No que diz respeito à política externa norte-americana, escolhi, deliberadamente, a ainda quente questão da Ucrânia, onde os EUA mostram, claramente, ter menos constrangimentos na aplicação de sanções económicas à Rússia, tida como potência agressora e, por esse facto, merecedora de punição. O mesmo não sucede com a União Europeia muito dependente dos fornecimentos do gás natural idos da Rússia e que, por razões geográficas, têm que transitar, em grande parte, pelo território ucraniano.

 

  1. Entre a União Europeia e a Rússia está, pois, estabelecido um verdadeiro “linkage”, condicionando as duas partes: a Rússia depende de muitos países da União Europeia, de quem recebe os pagamentos decorrentes da venda do gás natural; e a União Europeia, que não pode, pelo menos por enquanto, desvalorizar o fornecimento desse combustível vindo da Rússia. Até que possam diversificar mais as suas parceria, vão se, pois, tratando como adversários na polémica da Ucrânia, mas sempre com redobrados cuidados. Não vá a corda rebentar… Pois, se rebentar, estatelam-se os dois ao comprido…

 

  1. É evidente que a exploração do gás de xisto e do xisto betuminoso constitui a mais recente revolução na actual matriz energética mundial, interferindo de um modo bastante acentuado, já no volume e nos preços do gás natural, mas, a prazo, irá também implicar nos níveis de fornecimento e nos preços do petróleo. Este é um debate claramente económico, que tem a ver com quantidades e com valores. Mas está também em curso um outro debate que vai condicionar a acção dos decisores políticos – onde entram em cheio os ambientalistas.

 

  1. As repercussões ambientais da exploração do gás de xisto são a matéria mais estimulante, dado que o mundo actual tem como centro de debate a necessidade de redução dos níveis de consumo do combustíveis fósseis, pelos impactos negativos que eles têm na qualidade de vida de todos nós. Quer o gás de xisto, quer o xisto betuminoso são tão ou mais inimigos do ambiente como os tradicionais combustíveis fósseis – gás natural convencional, petróleo convencional, carvão.

 

  1. O gás de xisto encontra-se preso dentro de formações metamórficas do chamado xisto argiloso. O clássico gás natural acha-se em grandes depósitos. Por sua vez, do chamado xisto betuminoso, quando submetido a altas temperaturas, pode-se extrair um óleo de composição semelhante ao petróleo, do qual se podem retirar derivados como óleo diesel, gasolina, nafta, etc.

 

  1. O processo por que passa o xisto argiloso para a obtenção dos gás natural, desencadeou reacções de enorme preocupação por parte de ambientalistas – e os seus questionamentos são cada vez mais suportados por estudos de cientistas. Eles têm chamando a atenção para os seus impactos, pela emissão de gases causadores do chamado efeito de estufa (em especial, o gás metano, muito mais pernicioso que o dióxido de carbono). Têm também alertado para o aumento na frequência dos tremores de terra e, inclusive, na contaminação dos lençóis freáticos.

 

  1. A produção desses efeitos decorre do fraturamento hidráulico da rocha xistosa – o “fracking” – que mais não é que a injecção no subsolo, sob grande pressão, de água misturada com areia e produtos químicos. De cujas rachaduras escapa, então, o gás e o petróleo. O recurso a esse método e a procura desenfreada que se assiste agora de tais produtos é, para os ambientalistas, um retorno histórico na procura de um ambiente mais saudável.

 

  1. A Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos tem referido até agora como não preocupante a taxa de emissão de metano pelo “fracking”. Contudo, foi contrariada por um estudo recente que aponta para a libertação para a atmosfera de taxas de metano entre 100 a 1000 vezes superiores às declaradas pelo Agência de Protecção Ambiental norte-americana.

 

  1.  Torna-se cada vez mais preocupante a ideia de que o actual aumento das perturbações sísmicas resulta precisamente da injecção de água no subsolo, com vista ao fraturamento da rocha argilosa, com o consequente deslocamento das camadas tectónicas, que são, como sabemos parte dos responsáveis pelos tremores de terra.

 

  1. Estamos, pois, perante um novo desafio para a humanidade: a busca de novas e mais rentáveis fontes de energia que, por sua vez, acarretarão malefícios ambientais capazes de perigar a própria existência da Terra.

 

  1. Até agora, os EUA levam vantagem sobre os outros concorrentes no desenvolvimento dessa nova tecnologia, e detêm enormes reservas conhecidas de xisto. Sabe-se que também a Rússia, China, Brasil e Argentina.

 

  1. Os EUA estão a levar a cabo uma exploração acelerada desse recurso, o que lhes permitiu reduzir grandemente a sua dependência face ao exterior e aumentar a competitividade perante os mais directos concorrentes. É já uma verdadeira vertigem e uma espiral competitiva capaz de vir a degradar ainda mais a já difícil condição ambiental do nosso Planeta.

 

  1. O modo como a China desenvolveu a sua economia – em especial, a sua indústria – tornou quase insuportáveis as condições de sanidade ambiental das suas cidades, com fortes implicações na qualidade de vida dos seus habitantes.

 

  1. Para alguns, a via escolhida pela China pode parecer, mesmo assim, a mais atractiva. Mas não restam dúvidas de que ela acarreta inaceitáveis custos sociais e humanos de longo prazo. E é, sobretudo, no longo prazo que a humanidade deve direccionar o seu pensamento e a sua acção.

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