1. A visita a Angola do Secretário de Estado
norte-americano, John Kerry, antecedida da ida do Presidente angolano, José Eduardo
dos Santos, a Paris, motiva vários questionamentos, uns fazendo certo sentido, mesmo
que outros sejam menos compagináveis. Os menos compagináveis são aqueles que,
naturalmente, decorrem de uma bem perceptível megalomania de que enfermam determinados
analistas da nossa praça.
2. Vejo o crescente interesse francês por Angola, a decorrer
do aumento da importância do nosso país como fornecedor de petróleo de que a
França é muito carente; também da influência que o nosso país vai tendo nos
recorrentes conflitos que têm despoletado na parte central de África, onde a
França vai sendo chamada a intervir com alguma frequência, deslocando,
inclusive, forças militares de combate.
3. Aos franceses interessa manter, e até mesmo aumentar o
fluxo de petróleo angolano para as suas companhias, sendo, como sabemos, que
algum do petróleo proveniente de outras origens se torna cada vez mais
problemático, por força da instabilidade que se vive nessas regiões,
nomeadamente, no norte de África e Médio Oriente.
4. Também interessará aos franceses reduzir o seu envolvimento
militar directo nas áreas de conflito em África. E Angola poderá contribuir
para a redução desse envolvimento directo, deslocando, eventualmente, homens e
meios militares, dentro de um enquadramento internacional e, em especial,
africano, mesmo que tal venha a traduzir-se numa relativa redução da
tradicional influência francesa.
5. Por sua vez, aos Estados Unidos da América assistem
motivações que terão ainda a ver com os recursos de que somos detentores – em
especial, o petróleo – mas também o contrapeso que poderão fazer à crescente
influência chinesa no nosso continente, com repercussões de médio e de longo
prazo. Por outro lado ainda, o facto de Angola ser um país com ainda muito
fraca influência islâmica – factor tido como positivo no combate global que os
Estados Unidos da América travam para reduzir a sua expansão.
6. O peso específico do gás e do petróleo na estratégia
norte-americana não é negligenciável, se bem que, nos últimos anos, eles se
venham a tornar mais auto-suficientes, fruto do crescente desenvolvimento da
extracção quer do gás de xisto, quer do chamado xisto betuminoso.
7. Quer o gás de xisto, quer o xisto betuminoso, graças
aos quais os EUA se vão posicionando como grandes produtores, não só têm
aumentado a sua competitividade face à Europa, como também face à indústria
chinesa. E como isso, determinaram uma sensível alteração estratégica na
política mundial. O Médio Oriente, e penso que também a África, serão os grandes
laboratórios dessa alteração estratégica.
8. Hoje o gás de xisto já representa acima de 40% no
fornecimento de gás natural nos EUA. A sua entrada em força no mercado do gás
fez baixar substancialmente os preços, aumentando assim a competitividade dos
EUA face à Europa, muito dependente do gás natural de proveniência de áreas de
conflito ou de grande instabilidade política – como é o caso da Rússia que faz
passar o seu gás para a Europa pelo território da Ucrânia. O gás natural
consumido na Ásia é também muito mais caro do que o gás consumido nos EUA.
9. Por sua vez, o xisto betuminoso, de onde se extrai
petróleo nos EUA – e ainda em outras áreas – tem tido igualmente um crescimento
muito acentuado – acima de 58% desde 2008 – um aumento superior ao do petróleo
convencional do conjunto dos oito países integrantes das OPEP. Com esse “input”,
de acordo com dados da Agência Internacional de Energia, os EUA ultrapassarão,
dentro em breve, os níveis de produção de petróleo da Arábia Saudita e da
Rússia, passando a ser os maiores produtores mundiais de crude.
10.
Quando se
pensou no Projecto de Gás Natural Liquefeito (LNG) a ser produzido em Angola,
tinha-se como um dos principais destinos o território norte-americano. Tal não
se veio a verificar, pois os EUA tornaram-se, entretanto, auto-suficientes
nesta matéria, passando até à condição de exportadores, inclusive, para a
Europa, fazendo, assim, concorrência quer à Rússia, quer à Noruega.
11.
O projecto
Angola LNG resulta de uma parceria da estatal angolana Sonangol com as
multinacionais Chevron, Total, ENI e BP, sendo a norte-americana Chevron a accionista
maioritária (36,4%), seguida da Sonangol (22,8%), e as restantes com 13,6%
cada.
12.
O primeiro
carregamento do nosso LNG dirigiu-se para o Brasil, mas hoje tem-se o mercado
asiático como potencial deste produto, dada a diferença competitiva.
13.
Até há pouco tempo, apenas 2 blocos exploravam
gás para exportação: o bloco 17, operado pela Total, e o bloco 31, operado pela
britânica BP. Contudo, o objectivo é que todos os operadores forneçam gás para
o Projecto Angola LNG.
14.
Mesmo que os EUA sejam auto-suficientes em gás
natural – muito por causa da exploração do gás de xisto – e quase
auto-suficientes em petróleo, por causa do xisto betuminoso, o peso da
participação das companhias norte-americanas na exploração de petróleo e gás em
Angola, leva a que os políticos norte-americanos não negligenciem os seus
interesses, quando abordam as autoridades políticas e económicas angolanas.
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