quarta-feira, 23 de março de 2011

DE VITÓRIA EM VITÓRIA ATÉ À DERROTA FINAL…

1. Ao sairem em socorro de Laurent Gbagbo – o candidato derrotado nas eleições presidenciais que tiveram lugar em Dezembro de 2010 na Costa do Marfim – as autoridades angolanas e, muito em especial, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, tornaram mais difícil a busca de uma solução rápida para a crise política que, entretanto, se instalou naquele país.

2. Quando todas as instituições internacionais, a começar pelas Nações Unidas e a CEDEAO (Comissão Económica para o Desenvolvimento da África Ocidental) já haviam assumido Alassane Ouatara como o vencedor do pleito eleitoral – sendo, depois, seguidas por outras instituições, como a União Europeia e, também, países, como os Estados Unidos – o governo de Angola, na voz do Presidente José Eduardo dos Santos, declarou que Laurent Gbagbo seria o Presidente constitucional da Costa do Marfim.

3. Na altura, e ao contrário de alguns analistas profundamente enfeudados ao regime, eu expressei a minha opinião, uma opinião que em nada coincidia com a do actual Presidente da República. Disse, inclusive, que José Eduardo dos Santos estaria a contradizer-se, se atendêssemos à recente história do nosso país. Lembro que, em 1992, José Eduardo dos Santos e o MPLA ganharam legitimidade internacional contra Jonas Savimbi e a UNITA, precisamente porque estes haviam recusado os resultados eleitorais saídos de eleições tidas pela comunidade internacional como tendo sido “geralmente livres e justas”.

4. Reparem, pois, na subtileza linguística introduzida pela Senhora Margareth Anstee, então Chefe da Missão das Nações Unidas que acompanhava o processo político angolano. Ela não garantiu que as eleições angolanas tenham sido “genuinamente livres e justas” mas, sim, “geralmente livres e justas”.

5. Para um bom entendedor, fica claro que, subliminarmente, as Nações Unidas admitiam a existência de algumas irregularidades, ou mesmo até fraude (mesmo que em pequena escala), porém, incapazes de alterar a posição dos contendores na “placard” eleitoral.

6. Foi com base nessa quase “sentença” das Nações Unidas e na postura tida como anti-democrática de Jonas Savimbi e da UNITA que se desenhou toda a estratégia que culminou na verdadeira hecatombe que foi a derrota militar da UNITA e a consequente morte do seu líder, Jonas Savimbi.

7. José Eduardo dos Santos soube tirar o devido proveito do ostracismo a que a comunidade internacional decidiu votar a UNITA. Desencadeou uma acção diplomática que culminou com o reconhecimento do seu governo por países que até então hesitavam em fazê-lo, dado o contexto interno no qual Angola havia ascendido à independência: uma guerra civil em que cada um dos movimentos de libertação optou por declarar, unilateralmente, a “sua” independência…

8. É por isso contraditório que alguém como José Eduardo dos Santos, eu soube tão bem aproveitar a “falha democrática” da UNITA e de Jonas Savimbi, não tenha tido suficiente capacidade e sangue frio para perceber que o quadro político que se desenhou na Costa do Marfim tem algumas similitudes com o de Angola em 1992. Devemos salvaguardar as devidas distâncias no tempo em que ambas as situações ocorreram, assim, como o contexto internacional que hoje se vive, quando já não existe o “fantasma” da Guerra-fria e o seu consequente apêndice: a compita entre os dois blocos políticos antagónicos.

9. Para legitimar as suas incontidas ambições de poder, muitos dos actuais ditadores serviram-se, até à relativamente pouco tempo, de expedientes políticos como, por exemplo, a necessidade de consolidação de processos revolucionários que tinham por missão pôr fim à exploração do homem pelo homem, e que visavam a criação de um homem novo…

10. Foi esse idílico aceno que atraiu muita gente boa, honesta, que se dispôs a apoiar tais líderes e regimes que, depois, se veio a constatar serem, afinal, verdadeiras miragens… O resultado está agora bem visível: ajudaram a ascender ao poder gente sem escrúpulos, gente de ambição sem limites, gente que não se importa de fazer qualquer coisa, até mesmo matar o seu próprio povo, para se eternizar no poder… São os Mugabes, os Gbagbos, os Gaddafis. Também quem os apoia e sai em seu socorro, porque se identifica com as suas práticas e métodos de governação.

11. A pouco e pouco, eles vão-se desmascarando. Constituíram mesmo um verdadeiro “sindicato” de líderes que se cruzam, há dezenas de anos, nos corredores das organizações internacionais, em especial nas organizações sub-regionais do nosso continente. Actualmente, quase que possuem assento perpétuo na União Africana. Mas, há-os ainda em outros continentes, em especial, no asiático. São verdadeiras ervas daninhas que sugam a seiva dos seus povos, impedindo que sobrevivam as plantas de boa cepa.

12. O tempo veio demonstrar que os apoiantes internacionais de Laurent Gbagbo não tinham razão, a começar por Angola. O nosso país foi mesmo o que se terá mostrado mais empenhado em continuar a ver no poder aquele que, nas urnas, foi rejeitado pelo voto do povo.

13. Graças à protecção das forças de paz das Nações Unidas, o candidato vencedor das eleições, Alassane Ouatara, conseguiu sobreviver. Sem o cordão de segurança montado pelas forças da ONU em torno do hotel em que ele se alojou, seguramente que o candidato usurpador do poder se teria socorrido da prática que é mais querida aos ditadores: a pura eliminação física do adversário.

14. A Costa do Marfim continua a ferro e fogo, com incidentes e choques entre apoiantes de cada um dos lados num crescendo de violência. A contenda vai mesmo assumindo os sempre temíveis contornos étnicos, um recurso de que se socorrem todos quantos são incapazes de vencer os adversários pela razão e pelo convencimento do eleitorado.

15. Para tentar encontrar uma solução negociada para o conflito da Costa do Marfim, a União Africana optou por constituir uma comissão integrando os líderes de alguns países, a quem incumbiu da missão de mediação. Ao fim de alguns meses de esforços infrutíferos, a mediação africana não encontrou solução que convencesse simultaneamente as duas partes e a União Africana decidiu reconhecer a vitória eleitoral de Alassane Ouatara e a consequente derrota do candidato apoiado por Angola.

16. Com esta decisão, incendiaram-se ainda mais os ânimos dos contendores e a tensão política chegou a tal ponto que os estrangeiros estão em verdadeira debandada, com destaque para os representantes diplomáticos, inclusive, os nossos diplomatas que foram forçados a acolher-se no Ghana, para não serem apanhados no fogo cruzado que se intensifica na Costa do Marfim.

17. A quem agora imputar a responsabilidade por mais este erro político e falha diplomática? Será que os nossos analistas de serviço, sempre prontos a louvar “os feitos gloriosos do Camarada Presidente”, ainda têm “cara” para contabilizar este fiasco no lado das vitórias? A não ser que queiram materializar o velho refrão que diz: “vitórias sobre vitórias até à derrota final”…

quinta-feira, 17 de março de 2011

OS CONFLITOS NAS MONARQUIAS ÁRABES

1. Tenho falado muito sobre as transformações que, presentemente, têm lugar no mundo árabe, e é ponto assente que elas constituem verdadeiras revoluções, dado que, em alguns casos, implicam mesmo a deposição das velhas ditaduras e a instalação de uma nova ordem política que é a negação da velha ordem. Foi assim, pelo menos, na Tunísia. Foi assim, também, no Egipto. E espera-se que o mesmo ainda venha a suceder na Líbia, não obstante a resistência sanguinária oposta pelo caduco, desequilibrado e renitente ditador, agora secundado por filhos que, pelo que vemos, são em tudo muito semelhantes ao seu progenitor.

2. No texto que escrevi na semana passada, debrucei-me demoradamente sobre algumas questões de conceito que se me afiguram fundamentais para o entendimento do fenómeno político. Afirmei, por exemplo, que existem particularidades interessantes na análise das lutas de cada um desses países. Contudo, numa perspectiva global, existe um denominador comum em todos esses processos: reivindicam sempre regimes democráticos.

3. Mas eu disse também que, em alguns deles, a contestação coloca o assento tónico na qualidade da forma de Estado sem, pois, o questionar na sua globalidade. Ilustrei a ideia com o que hoje se passa no Bahrein, onde não se pede a extinção do Estado monárquico mas, sim, a variante concreta de monarquia que o assume. Pormenores como este estimulam-nos, pois, a ter algum cuidado na análise dos processos que se desenrolam na África do Norte e no Médio Oriente.

4. Nos últimos dias, e com agrado, tomámos conhecimento da posição pública assumida pelo soberano marroquino, o Rei Mohammed VI, propondo alterações substanciais no modelo constitucional em uso no seu país. Só este facto justifica já que eu me debruce por mais algum tempo sobre os questionamentos que são colocados às monarquias dessa região do mundo, deixando por isso de lado os conflitos nos Estados republicanos. Passemos, então, em revista os conflitos mais salientes nas presentes monarquias.

5. Na Jordânia, os protestos ainda são relativamente pacíficos, se comparados com os de outros países da região. Os manifestantes abordam questões como a necessidade de se combater o desemprego, o aumento dos preços dos bens essenciais e, sobretudo, o direito de elegerem o primeiro-ministro. Este último problema tem claras e profundas implicações constitucionais.

6. Para tentar acalmar os manifestantes, o Rei Abdullah da Jordânia decidiu demitir o primeiro-ministro, tido por alguns como o principal culpado pelo estado menos bom que a economia do reino hachemita atravessa. Ao decidir-se apenas pela demissão do primeiro-ministro e a sua substituição por uma outra figura, o Rei Abdullah da Jordânia não atacou o problema no seu verdadeiro foco, tendo passado por cima do problema, e confundindo, intencionalmente, a sua essência.

7. O que está em causa no reino hachemita é o carácter absolutista da actual monarquia, demasiado desfasada daquilo que são os requerimentos dos tempos modernos. Tal como está estruturada, ela mostra-se incompetente para fazer funcionar um regime democrático. Colocando nas mãos do Rei a capacidade de escolher o primeiro-ministro, dá-se-lhe, pelo menos indirectamente, poderes executivos, sujeitando o governo à sua vontade. Faz-se tábua rasa sobre o voto popular.

8. Muitas das actuais monarquias constitucionais albergam perfeitamente regimes democráticos. Veja-se os casos de países europeus como a Grã-Bretanha, Noruega, Dinamarca, Suécia, Holanda, Espanha, Bélgica, onde os Reis e as Rainhas possuem poder de representação e, em casos excepcionais, poder de arbitragem, sempre que surgem conflitos graves entre as forças políticas democraticamente eleitas.

9. O carácter democrático de um regime não se mede pela forma de Estado em que se enquadra. Ou seja, não se é mais democracia por se ser uma república, ou menos democracia por se ser uma monarquia. O mundo está cheio de ditaduras que são repúblicas e de democracias que são monarquias.

10. No Bahrein, outra monarquia, o que se questiona ainda é o domínio absoluto da nobreza sunita, minoritária, sobre os xiitas, maioritários. Na Jordânia, tal questão não se coloca, pois os sunitas são esmagadoramente maioritários e a monarquia dominante pertence a essa mesma facção religiosa. Se houver algum conflito de carácter religioso ele poderá ter um sinal contrário ao do Bahrein, com a minoria religiosa, os xiitas eventualmente a requerem maior poder de representação.

11. O Rei de Marrocos, Mohammed VI terá percebido melhor o fundo da questão e, por isso mesmo, decidiu-se por propor uma alteração profunda no modelo constitucional em vigor. Vai sujeitar a referendo popular uma proposta constitucional prevendo “um governo eleito, dimanado da vontade do povo expressa nas urnas e recebendo a confiança da maioria da Câmara dos Representantes”.

12. O Rei Mohammed VI anunciou ainda um conjunto de outras medidas com vista ao reforço das liberdades individuais, do pluralismo, dos direitos humanos, a independência da justiça e o papel dos partidos políticos. Foi até mais ousado ao propor que se inscreva na nova constituição o reforço da regionalização – seguramente para traçar um canal por onde passe a solução do problema do Sahara Ocidental.

13. A atitude do Rei Mohammed VI contrasta com os comportamentos repressivos e a visão de curto prazo de outros soberanos da região que optaram pela repressão dos contestatários. Contrasta até com as atitudes de alguns chefes de Estado republicanos da sua região e de outras regiões do nosso continente, que não conseguem entender que os “muros” que ainda existem no mundo têm também os seus dias contados.

14. Cada vez me convenço mais de que uma governação justa e participativa passa, necessariamente, pelo alargamento do espaço das liberdades democráticas. Não serão, pois, as constituições feitas à medida do corpo político de certas personalidades que melhorarão os processos democráticos e estimularão a paz social e a paz política. Uma repartição desequilibrada do poder político, a concentração do poder económico nas mãos de poucos e o excesso de personalização dos processos políticas funcionam como verdadeiras bombas colocadas em lugares estratégicos. Mais tarde ou mais cedo, elas explodirão, causando danos irreparáveis.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A DINÂMICA DOS PROCESSOS SOCIAIS E POLÍTICOS

1. Os recentes desenvolvimentos políticos criaram, no seio da nossa população, um sentimento de ansiedade, ao que se seguiu o medo somente comparável ao que se viveu por altura dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977.

2. A ansiedade decorreu da suposição de que as transformações que, presentemente, ocorrem no norte de África e no Médio Oriente se repercutiriam, de imediato, na África subsaariana, Angola, portanto, incluída. O medo surgiu como consequência da ideia de que eclodiriam conflitos violentos, colocando de um lado apoiantes do actual regime e, do outro, contestatários ao poder, todos mais ou menos fanatizados e entrincheirados por detrás das suas convicções. Tudo isso merece, pois, alguma clarificação e reflexão.

3. Por norma, cada região do mundo, e mesmo cada país tem a sua própria dinâmica, fruto do estádio de desenvolvimento em que se encontra e da consciência política e social que a sua população possui. Portanto, os factos não se repetem, ipsis verbis, em todos os lugares e, sobretudo, na mesma altura. Eles só se estendem como um rastilho imparável quando encontram o ambiente apropriado.

4. Será que a situação política e social é idêntica em toda a extensão da África e no Médio Oriente? Em alguns domínios, sim. Por exemplo, de um modo geral, o que vemos por todo o lado é a perpetuação de velhas ditaduras, cada uma com as suas características específicas, mas, mesmo assim, ditaduras. Em quase todos esses países, vamos também assistindo à tentação de monarquização das repúblicas, com os velhos ditadores a ensaiarem passos quase irresistíveis para serem sucedidos pelos seus rebentos… Ou então, para deixarem no poder quem se lhes assemelhe, garantido, assim, a continuidade dos regimes.

5. Porém, são perfeitamente detectáveis acentuadas diferenças que têm muito a ver com a composição e o processo de formação dos países. Mesmo no norte de África e no Médio Oriente é visível que nem todos os processos reivindicativos assumem o mesmo tom. Vejamos, por exemplo, o que se passa na Líbia e no Bahrein.

6. Na Líbia questiona-se o sistema de partidos e o regime político, mas não está a ser posto em causa o tipo de Estado. Nesse país do norte de África prevalece o sistema de partido único, com um único político legalizado, a União Socialista Árabe. Com este partido político e com a força militar que o Coronel Gaddafi conseguiu erigir, à custa das enormes receitas geradas pela exploração do petróleo, ele instalou e pretende perpetuar, passando o poder a um dos filhos, uma ditadura que já leva 42 anos de existência.

7. Pelo que me apercebo, mesmo que os revolucionários líbios estejam a hastear publicamente a bandeira de antes do golpe de Estado do Coronel Gaddafi – a bandeira da monarquia – o Estado republicano ainda não foi posto em causa. Mesmo que se mostrem demasiado agastados com a república imposta pelo Coronel, não se ouvem apelos ao restauro da monarquia. Portanto, os revolucionários questionam o sistema de partidos assim como o regime político, isto é, o conjunto das instituições políticas que o Estado criou para exercer o seu poder sobre a sociedade.

8. O regime político instituído por Gaddafi á anti-democrático pois não realiza eleições livres, não garante a liberdade de imprensa, desrespeita os direitos fundamentais dos cidadãos, não permite uma oposição organizada, muito menos admite a liberdade de expressão política. A luta que se trava na Líbia é, pois, uma luta pela democracia, dentro de um Estado republicano.

9. No Bahrein, a contestação tem outros tons, mesmo que se reivindiquem também liberdades democráticas. As plenas liberdades democráticas só são possíveis com a constituição e o funcionamento dos partidos políticos, e se o regime político não for uma ditadura. Estranhamente, há quem tenha conseguido manter ditaduras em sistemas políticos multipartidários.

10. No Bahrein não se questiona o Estado monárquico mas, sim, o tipo de monarquia. A monarquia reinante no Bahrein é uma continuação da que foi imposta, há mais de 200 anos, pelo príncipe Ahmad Bin Khalifa, originário da Arábia Saudita. Os Al Khalifa, professam o ramo sunita do islão, governando o país de um modo hegemónico, impondo-se sobre os xiitas, o outro ramo do islão que é maioria no território. Isto torna muito peculiar o actual momento político nesse país do Golfo Pérsico. Acredito, porém, que entre os contestatários haja quem se bata pela instalação de um regime democrático e não apenas pelo derrube da actual monarquia minoritária.

11. Na Jordânia, outra monarquia do Médio Oriente, a luta centra-se mais na denúncia de alguns defeitos do regime, como a corrupção, a precariedade das condições de vida da maioria da população. Mas também se questiona já a falta de liberdades democráticas. Não se questionou ainda a monarquia enquanto forma de Estado.

12. Para entendermos o que se passa naquela parte do mundo, há que não confundir conceitos, como tipo de Estado, sistema de partidos e regime político. Por vezes, confunde-se tudo isso com o sistema de governo. Na realidade, existe uma variedade de sistemas de governo e qualquer um deles pode acolher perfeitamente uma democracia viva e vigorosa. O governo presidencialista americano, o sistema parlamentarista britânico, o semi-presidencialismo francês, o semi-presidencialismo português, garantem perfeitamente as liberdades democráticas.

13. Muitos dos povos do norte de África e do Médio Oriente que estão hoje em turbulência são herdeiros de civilizações milenares e contribuíram muito para o desenvolvimento material, cultural e espiritual da humanidade. São povos com uma história muito rica. Por isso, não se estranhe a enorme capacidade de indignação que estão a demonstrar. Não se estranhe também o modo como, em tão pouco tempo, conseguiram pôr em marcha uma máquina de resistência eficaz. A organização dos seus movimentos de contestação sinaliza a sua grande qualidade e cultura.

14. Embora os ditadores que estão a ser questionados tenham optado por culpabilizar a Al-Qaeda, tem ficado bem claro que as razões da luta são, de facto, outras. Contudo, eu não descarto a hipótese de a Al-Qaeda e outras similares e afins estarem à espreita para, no devido tempo, retirarem o proveito da presente situação de instabilidade social e política.

15. Caso os processos democráticos vinguem plenamente no norte de África e no Médio Oriente, julgo que o espaço político desses movimentos radicais ficará mais limitado, e o tempo se encarregará de os retirar do caminho. Haverá também um maior espaço de manobra para a busca de uma solução mais justa e mais equilibrada para a questão palestiniana, desaparecendo o álibi de que, do outro lado, só existem ditaduras.

16. Com tudo isto quero dizer que a ansiedade sentida relativamente a transformações imediatas nos países ao sul do Sahara, por contágio do norte, deve merecer alguma contenção.

17. Os processos sociais e políticos podem, sim, ser acelerados ou retardados, mas cada um tem a sua própria dinâmica. Engana-se, pois, quem alimenta a ilusão da imobilidade das sociedades.

18. Mesmo que o papel das individualidades seja importante, em especial, em determinados momentos, os processos sociais e políticos jamais ocorrem por inspiração individual. Em última instância, é a dinâmica da sociedade e a consciência colectiva dos povos que lhe marca o tom e o ritmo.

19. O excesso de personalização dos processos e o excesso de voluntarismo podem até provocar perdas irreparáveis ou mesmo recuos históricos abismais.