1. Ao sairem em socorro de Laurent Gbagbo – o candidato derrotado nas eleições presidenciais que tiveram lugar em Dezembro de 2010 na Costa do Marfim – as autoridades angolanas e, muito em especial, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, tornaram mais difícil a busca de uma solução rápida para a crise política que, entretanto, se instalou naquele país.
2. Quando todas as instituições internacionais, a começar pelas Nações Unidas e a CEDEAO (Comissão Económica para o Desenvolvimento da África Ocidental) já haviam assumido Alassane Ouatara como o vencedor do pleito eleitoral – sendo, depois, seguidas por outras instituições, como a União Europeia e, também, países, como os Estados Unidos – o governo de Angola, na voz do Presidente José Eduardo dos Santos, declarou que Laurent Gbagbo seria o Presidente constitucional da Costa do Marfim.
3. Na altura, e ao contrário de alguns analistas profundamente enfeudados ao regime, eu expressei a minha opinião, uma opinião que em nada coincidia com a do actual Presidente da República. Disse, inclusive, que José Eduardo dos Santos estaria a contradizer-se, se atendêssemos à recente história do nosso país. Lembro que, em 1992, José Eduardo dos Santos e o MPLA ganharam legitimidade internacional contra Jonas Savimbi e a UNITA, precisamente porque estes haviam recusado os resultados eleitorais saídos de eleições tidas pela comunidade internacional como tendo sido “geralmente livres e justas”.
4. Reparem, pois, na subtileza linguística introduzida pela Senhora Margareth Anstee, então Chefe da Missão das Nações Unidas que acompanhava o processo político angolano. Ela não garantiu que as eleições angolanas tenham sido “genuinamente livres e justas” mas, sim, “geralmente livres e justas”.
5. Para um bom entendedor, fica claro que, subliminarmente, as Nações Unidas admitiam a existência de algumas irregularidades, ou mesmo até fraude (mesmo que em pequena escala), porém, incapazes de alterar a posição dos contendores na “placard” eleitoral.
6. Foi com base nessa quase “sentença” das Nações Unidas e na postura tida como anti-democrática de Jonas Savimbi e da UNITA que se desenhou toda a estratégia que culminou na verdadeira hecatombe que foi a derrota militar da UNITA e a consequente morte do seu líder, Jonas Savimbi.
7. José Eduardo dos Santos soube tirar o devido proveito do ostracismo a que a comunidade internacional decidiu votar a UNITA. Desencadeou uma acção diplomática que culminou com o reconhecimento do seu governo por países que até então hesitavam em fazê-lo, dado o contexto interno no qual Angola havia ascendido à independência: uma guerra civil em que cada um dos movimentos de libertação optou por declarar, unilateralmente, a “sua” independência…
8. É por isso contraditório que alguém como José Eduardo dos Santos, eu soube tão bem aproveitar a “falha democrática” da UNITA e de Jonas Savimbi, não tenha tido suficiente capacidade e sangue frio para perceber que o quadro político que se desenhou na Costa do Marfim tem algumas similitudes com o de Angola em 1992. Devemos salvaguardar as devidas distâncias no tempo em que ambas as situações ocorreram, assim, como o contexto internacional que hoje se vive, quando já não existe o “fantasma” da Guerra-fria e o seu consequente apêndice: a compita entre os dois blocos políticos antagónicos.
9. Para legitimar as suas incontidas ambições de poder, muitos dos actuais ditadores serviram-se, até à relativamente pouco tempo, de expedientes políticos como, por exemplo, a necessidade de consolidação de processos revolucionários que tinham por missão pôr fim à exploração do homem pelo homem, e que visavam a criação de um homem novo…
10. Foi esse idílico aceno que atraiu muita gente boa, honesta, que se dispôs a apoiar tais líderes e regimes que, depois, se veio a constatar serem, afinal, verdadeiras miragens… O resultado está agora bem visível: ajudaram a ascender ao poder gente sem escrúpulos, gente de ambição sem limites, gente que não se importa de fazer qualquer coisa, até mesmo matar o seu próprio povo, para se eternizar no poder… São os Mugabes, os Gbagbos, os Gaddafis. Também quem os apoia e sai em seu socorro, porque se identifica com as suas práticas e métodos de governação.
11. A pouco e pouco, eles vão-se desmascarando. Constituíram mesmo um verdadeiro “sindicato” de líderes que se cruzam, há dezenas de anos, nos corredores das organizações internacionais, em especial nas organizações sub-regionais do nosso continente. Actualmente, quase que possuem assento perpétuo na União Africana. Mas, há-os ainda em outros continentes, em especial, no asiático. São verdadeiras ervas daninhas que sugam a seiva dos seus povos, impedindo que sobrevivam as plantas de boa cepa.
12. O tempo veio demonstrar que os apoiantes internacionais de Laurent Gbagbo não tinham razão, a começar por Angola. O nosso país foi mesmo o que se terá mostrado mais empenhado em continuar a ver no poder aquele que, nas urnas, foi rejeitado pelo voto do povo.
13. Graças à protecção das forças de paz das Nações Unidas, o candidato vencedor das eleições, Alassane Ouatara, conseguiu sobreviver. Sem o cordão de segurança montado pelas forças da ONU em torno do hotel em que ele se alojou, seguramente que o candidato usurpador do poder se teria socorrido da prática que é mais querida aos ditadores: a pura eliminação física do adversário.
14. A Costa do Marfim continua a ferro e fogo, com incidentes e choques entre apoiantes de cada um dos lados num crescendo de violência. A contenda vai mesmo assumindo os sempre temíveis contornos étnicos, um recurso de que se socorrem todos quantos são incapazes de vencer os adversários pela razão e pelo convencimento do eleitorado.
15. Para tentar encontrar uma solução negociada para o conflito da Costa do Marfim, a União Africana optou por constituir uma comissão integrando os líderes de alguns países, a quem incumbiu da missão de mediação. Ao fim de alguns meses de esforços infrutíferos, a mediação africana não encontrou solução que convencesse simultaneamente as duas partes e a União Africana decidiu reconhecer a vitória eleitoral de Alassane Ouatara e a consequente derrota do candidato apoiado por Angola.
16. Com esta decisão, incendiaram-se ainda mais os ânimos dos contendores e a tensão política chegou a tal ponto que os estrangeiros estão em verdadeira debandada, com destaque para os representantes diplomáticos, inclusive, os nossos diplomatas que foram forçados a acolher-se no Ghana, para não serem apanhados no fogo cruzado que se intensifica na Costa do Marfim.
17. A quem agora imputar a responsabilidade por mais este erro político e falha diplomática? Será que os nossos analistas de serviço, sempre prontos a louvar “os feitos gloriosos do Camarada Presidente”, ainda têm “cara” para contabilizar este fiasco no lado das vitórias? A não ser que queiram materializar o velho refrão que diz: “vitórias sobre vitórias até à derrota final”…
2. Quando todas as instituições internacionais, a começar pelas Nações Unidas e a CEDEAO (Comissão Económica para o Desenvolvimento da África Ocidental) já haviam assumido Alassane Ouatara como o vencedor do pleito eleitoral – sendo, depois, seguidas por outras instituições, como a União Europeia e, também, países, como os Estados Unidos – o governo de Angola, na voz do Presidente José Eduardo dos Santos, declarou que Laurent Gbagbo seria o Presidente constitucional da Costa do Marfim.
3. Na altura, e ao contrário de alguns analistas profundamente enfeudados ao regime, eu expressei a minha opinião, uma opinião que em nada coincidia com a do actual Presidente da República. Disse, inclusive, que José Eduardo dos Santos estaria a contradizer-se, se atendêssemos à recente história do nosso país. Lembro que, em 1992, José Eduardo dos Santos e o MPLA ganharam legitimidade internacional contra Jonas Savimbi e a UNITA, precisamente porque estes haviam recusado os resultados eleitorais saídos de eleições tidas pela comunidade internacional como tendo sido “geralmente livres e justas”.
4. Reparem, pois, na subtileza linguística introduzida pela Senhora Margareth Anstee, então Chefe da Missão das Nações Unidas que acompanhava o processo político angolano. Ela não garantiu que as eleições angolanas tenham sido “genuinamente livres e justas” mas, sim, “geralmente livres e justas”.
5. Para um bom entendedor, fica claro que, subliminarmente, as Nações Unidas admitiam a existência de algumas irregularidades, ou mesmo até fraude (mesmo que em pequena escala), porém, incapazes de alterar a posição dos contendores na “placard” eleitoral.
6. Foi com base nessa quase “sentença” das Nações Unidas e na postura tida como anti-democrática de Jonas Savimbi e da UNITA que se desenhou toda a estratégia que culminou na verdadeira hecatombe que foi a derrota militar da UNITA e a consequente morte do seu líder, Jonas Savimbi.
7. José Eduardo dos Santos soube tirar o devido proveito do ostracismo a que a comunidade internacional decidiu votar a UNITA. Desencadeou uma acção diplomática que culminou com o reconhecimento do seu governo por países que até então hesitavam em fazê-lo, dado o contexto interno no qual Angola havia ascendido à independência: uma guerra civil em que cada um dos movimentos de libertação optou por declarar, unilateralmente, a “sua” independência…
8. É por isso contraditório que alguém como José Eduardo dos Santos, eu soube tão bem aproveitar a “falha democrática” da UNITA e de Jonas Savimbi, não tenha tido suficiente capacidade e sangue frio para perceber que o quadro político que se desenhou na Costa do Marfim tem algumas similitudes com o de Angola em 1992. Devemos salvaguardar as devidas distâncias no tempo em que ambas as situações ocorreram, assim, como o contexto internacional que hoje se vive, quando já não existe o “fantasma” da Guerra-fria e o seu consequente apêndice: a compita entre os dois blocos políticos antagónicos.
9. Para legitimar as suas incontidas ambições de poder, muitos dos actuais ditadores serviram-se, até à relativamente pouco tempo, de expedientes políticos como, por exemplo, a necessidade de consolidação de processos revolucionários que tinham por missão pôr fim à exploração do homem pelo homem, e que visavam a criação de um homem novo…
10. Foi esse idílico aceno que atraiu muita gente boa, honesta, que se dispôs a apoiar tais líderes e regimes que, depois, se veio a constatar serem, afinal, verdadeiras miragens… O resultado está agora bem visível: ajudaram a ascender ao poder gente sem escrúpulos, gente de ambição sem limites, gente que não se importa de fazer qualquer coisa, até mesmo matar o seu próprio povo, para se eternizar no poder… São os Mugabes, os Gbagbos, os Gaddafis. Também quem os apoia e sai em seu socorro, porque se identifica com as suas práticas e métodos de governação.
11. A pouco e pouco, eles vão-se desmascarando. Constituíram mesmo um verdadeiro “sindicato” de líderes que se cruzam, há dezenas de anos, nos corredores das organizações internacionais, em especial nas organizações sub-regionais do nosso continente. Actualmente, quase que possuem assento perpétuo na União Africana. Mas, há-os ainda em outros continentes, em especial, no asiático. São verdadeiras ervas daninhas que sugam a seiva dos seus povos, impedindo que sobrevivam as plantas de boa cepa.
12. O tempo veio demonstrar que os apoiantes internacionais de Laurent Gbagbo não tinham razão, a começar por Angola. O nosso país foi mesmo o que se terá mostrado mais empenhado em continuar a ver no poder aquele que, nas urnas, foi rejeitado pelo voto do povo.
13. Graças à protecção das forças de paz das Nações Unidas, o candidato vencedor das eleições, Alassane Ouatara, conseguiu sobreviver. Sem o cordão de segurança montado pelas forças da ONU em torno do hotel em que ele se alojou, seguramente que o candidato usurpador do poder se teria socorrido da prática que é mais querida aos ditadores: a pura eliminação física do adversário.
14. A Costa do Marfim continua a ferro e fogo, com incidentes e choques entre apoiantes de cada um dos lados num crescendo de violência. A contenda vai mesmo assumindo os sempre temíveis contornos étnicos, um recurso de que se socorrem todos quantos são incapazes de vencer os adversários pela razão e pelo convencimento do eleitorado.
15. Para tentar encontrar uma solução negociada para o conflito da Costa do Marfim, a União Africana optou por constituir uma comissão integrando os líderes de alguns países, a quem incumbiu da missão de mediação. Ao fim de alguns meses de esforços infrutíferos, a mediação africana não encontrou solução que convencesse simultaneamente as duas partes e a União Africana decidiu reconhecer a vitória eleitoral de Alassane Ouatara e a consequente derrota do candidato apoiado por Angola.
16. Com esta decisão, incendiaram-se ainda mais os ânimos dos contendores e a tensão política chegou a tal ponto que os estrangeiros estão em verdadeira debandada, com destaque para os representantes diplomáticos, inclusive, os nossos diplomatas que foram forçados a acolher-se no Ghana, para não serem apanhados no fogo cruzado que se intensifica na Costa do Marfim.
17. A quem agora imputar a responsabilidade por mais este erro político e falha diplomática? Será que os nossos analistas de serviço, sempre prontos a louvar “os feitos gloriosos do Camarada Presidente”, ainda têm “cara” para contabilizar este fiasco no lado das vitórias? A não ser que queiram materializar o velho refrão que diz: “vitórias sobre vitórias até à derrota final”…
"Será que os nossos analistas de serviço, sempre prontos a louvar “os feitos gloriosos do Camarada Presidente”, ainda têm “cara” para contabilizar este fiasco no lado das vitórias"? - Em breve veremos... em breve, veremos.
ResponderEliminarOs ditadores não aprendem com os erros de outros ditadores. Muitos mais virão e continuarão a não aprender com esses mesmos erros.
ResponderEliminarEstamos num mundo viciado, acredito que a historia se repetirá.
Ditadores vêm, roubam, fogem com a família para os países que os apoiaram ou são enforcados pelo povo que vive na Utopia de ter um país mais justo e livre, com o eterno sonho de uma vida estável e sossegada.