sexta-feira, 5 de junho de 2009

ANGOLA: O DESNORTE DO GOVERNO PERANTE A CRISE

Um dia alguém muito conceituado como economista disse-me que os economistas sabem interpretar muito bem o passado mas que não conseguem predizer o futuro.
Hoje ao ouvirmos Prémios Nobel em Economia, e outras entidades reconhecidas mundialmente, sobre as causas e as possíveis consequências da crise económica em que o mundo se encontra actualmente mergulhado, ainda não se ouviu ninguém com credibilidade bastante, assegurar que as medidas que estão a ser tomadas para a saída da crise, principalmente pelos países responsáveis por ela, conduzirão irreversivelmente ao relançamento da economia mundial.
Não existem receitas únicas, a serem aplicadas simultaneamente por todos os países, para a saída da crise. Há bons exemplos da história económica mais recente: Quem não se recorda i) da chamada “crise da tequila” no México, em 1994, cujo Governo perante a drenagem das sua reservas optou por desvalorizar o peso o que, ao invés de obter os mesmos efeitos que tivera a Grã-Bretanha em 1992, causou o pânico aos investidores estrangeiros, acabando por abandonar a fixação da taxa de câmbio e desvalorizar o peso em mais de 50%; ii) da crise financeira Argentina, em 1995, cujas causas estão associadas à crise do México; iii) da deterioração da economia do Japão, a partir de 1990; da recessão económica vivida em 1997, como resultado do aumento dos impostos, tendo em vista a redução do défice orçamental; e da fixação das taxas de juros ao nível de 0%, sem que fosse suficiente para reactivar a economia; iv) do crash asiático que teve o seu epicentro na Tailândia em 1997, como consequência da desvalorização do bath (moeda tailandesa), propagando a crise às economias da Malásia, Indonésia e Coreia do Sul.
Existem casos em que países com crises económicas idênticas utilizaram os mesmos instrumentos económicos para as combater, ainda que não obtivessem os mesmos resultados conseguiram ultrapassá-las com base na experiência retirada do combate à crise da Grande Depressão, tendo mesmo o Prémio Nobel da Economia Robert Lucas (2003) afirmado que com a experiência retirada chegara o momento de seguir em diante uma vez que o problema fulcral da prevenção da depressão fora resolvido em todos os seus aspectos práticos (Krugman, 2009). Lucas foi secundado por Ben Bernanke no seu discurso “A Grande Moderação” em que defendia que a política macroeconómica moderna resolvera o problema do ciclo económico (Krugman, 2009).
A verdade é que a “crise do subprime” veio impor uma realidade à economia mundial, há muito esquecida, que os governos de vários países procuram contornar através de políticas económicas a nível nacional e da conjugação de esforços para a criação de um novo sistema financeiro a nível internacional.
Angola cuja economia possui elementos caracterizadores muito peculiares, entre os quais uma economia fortemente dependente do exterior e assente principalmente na exportação de dois produtos, petróleo e diamante; um sector agro-pecuário e industrial incipiente; carência de capital humano nacional; inexistência de uma classe empresarial nacional com capacidade criativa e inovadora; empresas estatais falidas; falta de eficiência económica e de equidade na distribuição dos rendimentos; etc., a par do seu grande potencial económico em recursos naturais (o que por si só não faz de Angola um país rico) e do interesse que nele vêm manifestando os investidores estrangeiros.
Perante os parcos elementos a que recorro, o que oferece o Governo como garante da consolidação e preservação de algumas conquistas económicas já alcançadas, nomeadamente da estabilização macroeconómica e do desenvolvimento das infra-estruturas tão necessárias à criação de condições de vida, principalmente no interior do País? Existe de facto uma estratégia económica para o País? Haverá algum plano anti-crise a ela subordinada? Há capacidade de absorção e de gestão do investimento público? A estratégia da luta contra a pobreza prevê investimentos defensivos das populações expostas aos efeitos das variações climáticas? E muito mais questões se poderiam colocar!
Na verdade, não me parece que exista uma boa estratégia económica para o país (se é que ela exista), pois, sem articulação económica não há desenvolvimento que garanta sustentabilidade na preservação dos recursos e do meio ambiente. Como pode haver uma boa estratégia quando a economia visa o bem-estar social e não se tem uma percepção da dinâmica da população (o último censo geral da população foi efectuado em 1970)? Na realidade os “per capitas” construídos com base em indicadores económicos mensuráveis; a estrutura etária da população; a sua distribuição geográfica; o nível de desemprego; etc., não terão qualquer leitura económica credível, nem servirão de base à formulação de qualquer estratégia económica, se não se souber qual a população de Angola (não basta dizer que a população cresce a uma taxa de 2,9%, como há já alguns anos o FNUAP vinha publicando com base em projecções). Na verdade, neste particular, a existir uma estratégia será mais em consonância com a aliança de interesses entre os investidores nacionais e os estrangeiros, a qual nem sempre representa os interesses do País.
O desnorte do Governo em termos estratégicos reflecte-se igualmente na definição de políticas (arbitrárias) face à crise. A perceptibilidade do desnorte reinante é devido ao posicionamento de alguns dos nossos governantes e entidades afectas ao regime, tido como credível em matéria económica, vejamos:
i) O ex - Ministro das Finanças Aguinaldo Jaime, que não é economista, excluiu Angola do mundo globalizado ao afirmar que País estaria imune a crise.
ii) O Ministro da Economia Manuel Júnior viria corroborar tal afirmação ao anunciar que o PIB cresceria a um taxa superior à taxa média do crescimento da população (atirou o número de 3%) mantendo posteriormente, o respeitável economista, a sua convicção política de que Angola não entraria em recessão.
iii) O Ministro das Finanças Severim de Morais depois dos ajustamentos efectuados ao OGE com a redução das despesas públicas, em cerca de onze mil milhões de dólares, garantiu que a economia angolana continuará a crescer com estabilidade. Anunciou também uma nova política de subsídios a preços nomeadamente dos combustíveis, água e energia.
iv) Outros conceituados economistas, e fazedores de opinião, têm vindo a cultivar as virtudes da economia angolana face à crise, embora com um optimismo cada vez mais decrescente.
Porém, Instituições como o Banco Mundial, a OCDE e outras reconhecidas internacionalmente não têm vindo a partilhar do mesmo optimismo, ao considerarem que a economia angolana será uma das mais afectadas pela crise entre as economias dos países em desenvolvimento. A OCDE no seu relatório anual “African Economic Outlook”, diz que a economia angolana em 2009 contrairá 7,2% em termos reais em relação ao PIB registado em 2008, atribuindo porém crescimento significativo aos sectores agrícola, construção e serviços.

Por outro lado, a redução das despesas anunciadas por Severim de Morais são bem o corolário da crise que o País já vive.
v) Em entrevista ao jornal Expansão o Vice-Ministro das Finanças Manuel da Cruz Neto afasta a intervenção do Governo na desvalorização do Kwanza, ao afirmar que a taxa de câmbio é flexível, admitindo porém uma intervenção caso exista uma procura anormal de divisas com objectivos especulativos.
Os agentes económicos são racionais! Sabem que o Governo interveio durante muitos anos em defesa da fixação da taxa de câmbio do Kwanza em relação ao dólar. Sabem que o Governo deixou de intervir para travar a drenagem das reservas em divisas. Sabem também que o argumento da desvalorização do Kwanza por uma procura anormal de divisas com objectivos especulativos não faz qualquer sentido.
A utilização de políticas com base em instrumentos económicos – taxas de juro, taxas de reservas bancárias, emissão de obrigações de tesouro, acesso ao crédito, a desvalorização da moeda, etc., – com vista à estabilização macro económica têm, como é óbvio, implicações no comportamento dos agentes económicos, seja nos negócios, como no consumo. Por exemplo, um aumento da taxa de reservas bancárias junto do Banco Central poderá restringir o crédito à economia, induzir a um aumento da taxa de juro e como consequência assistir-se a uma diminuição do investimento privado e do consumo. Uma desvalorização da moeda nacional poderá criar sérios problemas a empresas que tenham dívidas tituladas em moeda estrangeira, gerar uma onda inflacionista e a consequente erosão do poder de compra ou fomentar as exportações. A emissão de obrigações do tesouro para financiar a economia só terá os efeitos desejados se forem vendidas, evitando-se desse modo a emissão de mais moeda.
Em tempo de crise, mais importante que o efeito dessas medidas sobre a economia é a credibilidade de que os governos gozam junto dos agentes económicos. Se a credibilidade do governo for suspeita poderá causar o pânico junto dos investidores e estes virem a retirar os seus activos do País hóspede, no caso Angola. Por exemplo:
1) A dificuldade que o governo angolano tem em vender obrigações de tesouro a longo prazo poderá decorrer já da sua falta de credibilidade junto dos investidores, o que poderá vir a constituir elevadas dívidas de curto prazo e a necessidade de vir a pagar taxas de juro elevadas sobre essa dívida, com a agravante se ela estiver indexada ao dólar;
2) A desvalorização da moeda pode provocar o receio de novas desvalorizações e desmotivar os investidores, levando-os a retirar os seus activos ou a trocá-los por dólares, ocasionando dessa forma uma nova desvalorização da moeda, maior que a primeira.
As crises económicas são em grande medida crises de confiança nos governos, aliás, foi a falta de confiança no governo da Argentina que fez com que a “crise da tequila” contaminasse a sua economia. Foi igualmente a falta de confiança nos países do crash asiático que fez com que a crise na Tailândia se alastrasse para os países da região.
vi) O Ministério do Planeamento e o Primeiro-Ministro nada têm a dizer?
Com a actual crise está posta à prova a credibilidade do Governo Angolano para a gerir!

Luanda, 25 de Maio de 2009
*José Dias Amaral (Economista)

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