terça-feira, 9 de junho de 2009

O GÉRMEN DA ESPERANÇA

  1. Ficou bem claro nas palavras que Barack Obama pronunciou na Universidade do Cairo, diante de mais de 3.000 pessoas – e com os ouvidos do mundo bem atentos – que a confrontação entre culturas não é o melhor caminho a seguir. A via da hostilização e do confronto só teve o condão de acirrar ódios, dando espaço e motivação aos extremistas de todos os lados. Em nome da América, Barack Obama sublinhou a necessidade do seu povo e do mundo muçulmano estabelecerem relações justas, assentes nos interesses comuns. “É necessário romper com uma era de desconfiança e discórdia”, acrescentou.

 

  1. O discurso proferido pelo Presidente norte-americano constitui a rotura com o velho estereótipo sobre a superioridade moral e ética do Ocidente face a todos os restantes povos. Esse tem sido um discurso e uma prática reiterado. Porém, Barack Obama recordou a dívida que o mundo tem para com a civilização islâmica, ela que possibilitou a Renascença europeia, devendo-se também a si o mérito do domínio, por exemplo, da Álgebra. Apelou, então, aos muçulmanos para que tenham uma mesma percepção para com a América, vendo o seu contributo para os avanços da humanidade em todos os domínios.

 

  1. Os discursos mais radicais daqueles que assumem o Ocidente como o único modelo perfeito esquecem que hoje já não há civilizações puras. O Presidente americano lembrou que o Islão também tem lugar na América, onde vivem cerca de 7 milhões de muçulmanos. Esses milhões de muçulmanos da América praticam o seu culto religioso em todos os Estados da União, num total de 200 mesquitas. Hoje estamos todos ligados e a globalização aprofundou ainda mais a interdependência, uma interdependência que se manifesta de variadas formas e em todos os domínios.

 

  1. Corajosamente, lembrou a tradição do Islão quanto à liberdade religiosa, recuando aos tempos em que na Andaluzia muçulmana da Idade Média, conviviam cristãos, judeus, muçulmanos.

 

  1. São, pois, os extremistas que querem impor outras regras, fomentar a divisão e o ódio religioso. São também esses extremistas que pretendem diminuir os direitos das mulheres. A este respeito, o Presidente norte-americano pronunciou uma frase lapidar: “Não acredito que uma mulher que use véu não seja igual, mas acredito que uma mulher a quem é negada educação não é igual”. A limitação à educação das mulheres não é uma prática generalizada no mundo muçulmano, ela é, sim, uma imposição dos extremistas.

 

 

  1. Esse foi o discurso que o mundo precisava de ouvir. Ele foi pronunciado pela pessoa certa: um americano que tem nas suas veias sangue negro do Quénia, sangue europeu da Irlanda e vivência asiática na Indonésia. Quando ainda era candidato presidencial, Obama disse que o seu modo de ver o mundo resultava de todas essas confluências. Por vezes, os almoços de fim-de-semana em sua casa mais pareciam uma reunião das Nações Unidas: todas as raças representadas na sua família, negros, brancos, asiáticos, mas também cristãos, muçulmanos e gente de outras confissões religiosas.

 

  1. A democracia não pode ser imposta a alguém, ela deve, sim, ser assumida livremente. Contudo, Obama reafirmou o seu compromisso e solidariedade para com aqueles que escolhem livremente os seus líderes. A democracia não se pode também resumir apenas aos actos eleitorais, ela deve materializar-se no respeito pela lei, pela liberdade de expressão, pela liberdade individual, pela transparência governativa. Esta parte do discurso deveria servir de material de estudo para os nossos neo-democratas, sempre muito empenhados em resumir a democracia à simples gincana eleitoral. No dia seguinte ao acto eleitoral, empenham-se logo em matá-la, coarctando a liberdade de expressão, governando de uma forma opaca e quase monárquica.

 

  1. Em matéria de política internacional, esperava-se de Obama a abordagem das questões quentes da actualidade, como o projecto nuclear do Irão, a luta contra o terrorismo, o conflito israelo-palestiniano. Ele não defraudou as expectativas em nenhuma destas matérias. Manteve-se dentro da linha que traçou durante a campanha eleitoral.

 

  1. Aparentemente, depois de viagem de Benjamim Nethanyau à Washington, a questão palestiniana parecia ter caído num impasse, dada a recusa do governo de Israel em aceitar um Estado Palestiniano independente, lado a lado com o Estado de Israel. Todavia, logo após o discurso de Obama, o porta-voz israelita pronunciou-se dizendo que Israel também espera uma reconciliação com o mundo árabe-muçulmano, desde que garantida a sua segurança.

 

  1. Após a turbulência vivida durante a Administração de George W. Bush, parece agora que a navegação pode começar a ser feita em águas menos alterosas. Tudo graças à visão quase messiânica de um homem que parece trazer dentro de si o gérmen da esperança.

JUSTINO PINTO DE ANDRADE (09/06/09)

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