quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Entrevista para o semanário Expansão

Os países em desenvolvimento não sentiram directamente a crise em virtude de terem um sistema financeiro rudimentar mas viram as ajudas e as exportações serem reduzidas bruscamente. Acredita que esta crise será mais um obstáculo ao desenvolvimento económico ou uma oportunidade para países como Angola que faz depender do barril de crude mais de 95% das suas exportações?

De facto os sistemas financeiros dos países em desenvolvimento não sofreram directamente com a crise do “subprime”, uma vez estarem pouco expostos ao sistema financeiro internacional! No entanto, Angola sofreu um impacto indirecto que gerou a fuga de capitais, volatilidade na taxa de câmbio, restrições do crédito externo à economia, etc., contribuindo para que o Estado deixasse de honrar os seus compromissos e serviços prestados à economia privada, o que se reflectiu na economia real. Parece-me não haver dúvidas de que a actual crise criou condicionalismos à economia angolana, cujos reflexos se fazem sentir no agravamento das condições de existência (por tão precárias) das populações, mas, também, criou uma nova era de oportunidades: por exemplo, a nível político-institucional, o facto da crise permitir que hoje se fale da forma desastrosa como foram utilizados os dinheiros públicos, pode constituir uma oportunidade a dar à oposição política e à sociedade civil (permitindo a sua criação e desenvolvimento) para elaborar críticas positivas e desempenhar uma acção fiscalizadora sobre a acção do Estado.

Quais são os grandes desafios que Angola enfrenta actualmente que considera fulcrais para o País apresentar taxas de crescimento sustentáveis nos próximos 5 a 10 anos?

Um dos grandes desafios que Angola tem que enfrentar é o da humanização da sua economia. A economia é uma ciência social e Angola terá que definir políticas que permitam de facto um “trade-off” entre o capital natural e o capital humano.

Significa que o crescimento económico deve ser realizado com vista a promover também o desenvolvimento económico?

O crescimento só é bem-vindo se traduzir uma componente do desenvolvimento. Que importa o crescimento económico de um país, quando nele, em pleno século XXI ainda se morre de raiva, cólera, paludismo e até mesmo de fome?

Uma taxa de crescimento sustentável significa não só um PIB per capita não decrescente, como também um PNB per capita não decrescente, pois, este indicador, tem em conta a componente dos rendimentos da balança de pagamentos.

Angola tem apresentado taxas de crescimento positivas com base no PIB. Porém, tais taxas embora se situem ao nível dos dois dígitos, não alimentam o meu ego, como também não o faz o anúncio do crescimento do PIB em 6% para o ano de 2009.

O caminho da diversificação anunciado com pompa e circunstância pelo Governo é o caminho certo?

Não há dúvida que a economia angolana sofre de problemas estruturais graves. É importante que se proceda a diversificação da sua economia. Mas é igualmente importante que o Governo dê uma oportunidade real às populações para que possam participar dessa diversificação inserindo-as no sistema produtivo, principalmente no que tange à agricultura. É preciso dar uma resposta urgente as comunidades rurais (é inadmissível que se viva hoje pior no meio rural do que se vivia na Angola colonizada). É urgente o desenvolvimento de uma classe média empreendedora a longo prazo, para garantia de um desenvolvimento sustentável.

Desde 2002 que a inflação tem vindo a cair a pique. Porém, tem revelado alguma resistência na barreira dos 13%. Acredita que nos próximos anos teremos uma inflação abaixo desse valor?

Um dos instrumentos principais de combate a inflação tem sido a aplicação de reservas externas para garantir a estabilidade cambial. Embora seja um instrumento importante, ele é insuficiente sem o aumento da produção interna para substituir as importações (inflação importada) e da produtividade, sem a resolução dos constrangimentos logísticos que permitam a exportação, da falta de energia, dos custos de transportação, etc.

Sou muito céptico quanto aos valores das taxas de inflação tornadas públicas. Não acredito nelas nem um pouquinho! Elas não traduzem a realidade do comportamento dos preços no consumidor a nível nacional, quer por observar apenas as alterações dos preços dos produtos na cidade de Luanda, quer por não serem representativos das preferências dos consumidores ao optarem por consumo de produtos complementares, como forma de contornarem os preços. Quer um palpite? A taxa de inflação actual poderá situar-se, provavelmente, entre os 25% a 30%, se forem tidos em conta os custos de sobre facturação, constrangimentos logísticos, depreciação do kwanza face ao dólar, etc.

Há uma grande discussão em redor das políticas que o Banco Nacional de Angola tem seguido para estabilizar a moeda nacional. A 16 de Abril, o BNA decidiu aumentar a taxa de reservas obrigatórias em kwanzas de 20% para 30%, com o pretexto de travar a especulação cambial e para limitar a quantidade de dólares vendida aos bancos. Qual é a sua opinião acerca destas medidas?

O aumento das taxas das reservas legais obrigatórias sobre os depósitos em kwanzas de 20% para 30% não foi para travar a especulação cambial (o que não faz sentido) mas sim para travar a procura de dólares através da restrição do crédito em kwanzas.

Esta medida ao visar uma menor compra de dólares pelos agentes económicos, diminui o crédito a economia, o que implica um aumento da taxa de juro; assistindo-se, de igual modo, a uma restrição das importações, o que pode, por sua vez, implicar o aumento dos preços (gerando inflação), se não houver o acompanhamento da produção interna.

Por outro lado, gera o mercado informal de divisas e eventualmente a possibilidade de introdução de moeda falsa no mercado. Como se pode depreender, tentar impedir a procura de dólares poderá causar efeitos adversos que conduzam a uma retracção da economia.

Contudo, é mais fácil julgar do que encontrar soluções que satisfaçam as necessidades da economia no longo prazo. Penso que deixar deslizar o kwanza, ao tornar a taxa de câmbio flexível, não foi uma má medida de política, considerando-a mesmo boa ao invés de o desvalorizar, o que poderia provocar desvalorizações sucessivas do kwanza e com isso minar por completo a confiança dos investidores.

É preciso pensar seriamente numa reforma estrutural, político-institucional (judicial) e económica que insufla maior confiança aos investidores!

2 comentários:

  1. Entrevista ao semanario Expansao. Mas entrevista a quem? Fiquei sem compreender quem e o entrevistado aqui. Deduzo que seja o Doutor Justino Pinto de Andrade, mas isso nao e mencionado no artigo. Penso ter sido um lapso, mas seria bom que de futuro se mencionasse o nome do entrevistado e ainda a edicao da publicacao e data em que a entrevista teve lugar. Adoro o blog. Ja era sem tempo.

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  2. A entrevista foi dada por José Dias Amaral ao Jornal Expansão no mês de Agosto.

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