quinta-feira, 14 de outubro de 2010

AFINAL, BRINCADEIRA TEM HORA…

1. As eleições gerais realizadas recentemente no Brasil despertaram uma natural curiosidade em Angola, muito por causa dos laços históricos que nos unem. A curiosidade dos angolanos tem sido estimulada, sobretudo, pela visibilidade que a sociedade brasileira vai tendo entre nós, devido ao impacto da televisão mas, igualmente, pelo intercâmbio cultural que se estabelece. Tudo isso fez com que algumas figuras públicas do Brasil se tenham tornado, também, figuras nossas conhecidas, seja os da política, os do desporto, da música, das diversas artes. Não posso garantir, porém, que o inverso seja verdadeiro. Ou seja, nada me garante que, no Brasil, se conheça também muitas das figuras públicas angolanas, inclusive os endinheirados que gastam parte do seu tempo de lazer passeando-se pelo Brasil, onde possuem propriedades, ou até mesmo fazem negócios.

2. Para além da disputa entre os principais políticos do momento – a dupla “Lula-Dilma”, José Serra, Marina Silva – as eleições do Brasil trouxeram ainda para as primeiras páginas nomes conhecidos fora da política, como os dos ex-futebolistas Romário e Bebeto, ou mesmo Roberto Dinamite e Marcelinho Carioca mas, igualmente, sambistas, pugilistas e até a nadadora Rebeca Guzmão.

3. Contudo, o fenómeno mais mediático da primeira volta das eleições brasileiras foi sem sombra de dúvidas a eleição para deputado federal do humorista Tiririca, com o “score” eleitoral mais elevado no Estado de São Paulo, e de todo o Brasil. Tiririca arrecadou acima de 1 milhão e trezentos mil votos, graças, em parte, à utilização do seguinte slogan de campanha: “Pior do que está não fica, vote Tiririca”.

4. O “fenómeno Tiririca” pode parecer um facto banal – mas não é. Ele começou a ganhar a vida muito novo, com 8 anos de idade, fazendo o papel de palhaço em pequenos circos na sua terra natal, Itapipoca, no Nordeste brasileiro. Depois, gravou um CD, com o apoio de pequenos negociantes da região, um CD que vendeu mais de 1,5 milhão de cópias. A música do Tiririca ficou famosa em todo o Nordeste e depois estendeu-se por todos os pontos do Brasil. O palhaço Tiririca, animador de pequenos circos, tornou-se, assim, músico, compositor e cantor. Gravou ainda outros CD´s.

5. Tiririca, de seu nome próprio Francisco Everardo Oliveira Silva, passou para a televisão (na TV Record), aumentando a sua fama por causa da maior visibilidade e exposição. Destacou-se, sobretudo, pela participação que teve na Escolinha do Barulho, e a que ainda tem no Show do Tom, com o grande humorista brasileiro Tom Cavalcante. Foi acompanhando o programa Show do Tom que eu percebi o enorme talento de Tiririca, porém, sem me ter passado pela cabeça que algum dia ele iria causar a polémica que se seguiu à sua investida na política.

6. Todos sabemos que a imagem dos políticos no Brasil não conhece bons momentos. Quase diariamente se fala de escândalos envolvendo figuras da política brasileria, quer ao nível estadual, quer ao nível federal. São por demais conhecidas as broncas de deputados, redundando, muitas vezes, na suspensão dos seus mandatos. Por isso, e inteligentemente, o palhaço Tiririca escolheu também para a sua campanha um outro slogan bastante sugestivo, dizendo: “O que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vota em mim que eu te conto”. Podemos, pois, perceber agora melhor o papel que o marketing joga numa campanha política. Tiririca já era conhecido e apreciado. Com isso, tornou-se um emblema.

7. O povo está farto de ver “palhaçadas” protagonizadas por políticos, em especial, por deputados. Por que não fazer, então, entrar no “circo parlamentar” um verdadeiro palhaço, um palhaço profissional? O povo brasileiro cansou-se de aturar palhaços ocasionais… Prefere ter lá um palhaço que faz os outros rirem com as suas piadas e diabruras inofensivas. É aqui que está a verdadeira chave do problema. É isso que explica melhor o “fenómeno Tiririca”, o humorista nordestino que conseguiu a maior votação nas eleições brasileiras. Ele pediu que votassem num palhaço verdadeiro, em vez de o estarem a fazer, inconscientemente, em palhaços de fingir… E o povo respondeu com uma votação massiva, sem rodeios…

8. No Brasil, discute-se agora se Tiririca pode (ou não pode) ser deputado. Há dúvidas se ele sabe ler e escrever, conforme obriga a Constituição brasileira. Fontes muito próximas do humorista Tiririca disseram que ele não consegue ler nem uma letra do tamanho de um boi… Outros disseram que, a escrever, Tiririca é ainda pior que o Zeca Diabo… Lembram-se do Zeca Diabo? Aquele da célebre novela brasileira que, há alguns anos, deliciou Angola…

9. Pois é, se o Zeca Diabo, para escrever uma fase, tinha que colocar parte da língua para fora, num dos lados da boca, o eleito deputado Tiririca, para escrever uma simples letra, possivelmente terá que pôr quase toda a língua de fora, imitando os cães quando estão cansados, ou então, quando estão cheios de sede…

10. Espero, pois, que o Tribunal Eleitoral de São Paulo não mande para fora do Parlamento brasileiro o pobre do Tiririca, só porque ele não sabe ler nem escrever…

11. É que, ao votar massivamente no palhaço Tiririca, o povo brasileiro demonstrou que está farto de políticos charlatães: doutores de casaco e gravata, mas sem princípios morais e sem ética, mestres em pirataria, engenheiros da malandragem, arquitectos da trambicagem…

4 comentários:

  1. "Espero, pois, que o Tribunal Eleitoral de São Paulo não mande para fora do Parlamento brasileiro o pobre do Tiririca, só porque ele não sabe ler nem escrever…"
    Ora, ora, sr. Justino P. Andrade... como nao mandar embora?! Devia ateh ser preso. Politica deve ser levada a serio, muito a serio. Brincadeira tem hora, pois. como eh que um tipo que nao sabe ler nem escrever vai discutir leis, ler projectos de lei, etc, etc, hein? Pelas entrevistas que vi na TV ele nao sabe responder a nada, nao tem projectos, nada. Assim sendo, ele deveria ter mais respeito para com o eleitorado, com os outros cidadaos que votaram pensando que ele PODERIA fazer qualquer coisa por eles. Mas nao. Nao eh como a Marina que se alfabetizou aos 15 anos e hoje estah ali defendo as causas, politizada e nao fazendo palhacada....

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  2. "Não posso garantir, porém, que o inverso seja verdadeiro. Ou seja, nada me garante que, no Brasil, se conheça também muitas das figuras públicas angolanas, inclusive os endinheirados que gastam parte do seu tempo de lazer passeando-se pelo Brasil, onde possuem propriedades, ou até mesmo fazem negócios."

    Um dos meus blogues, "Angola: os poetas", tem muita aceitação no Brasil, onde, pelo menos pelos comwntários, seguidores e leitores,percebe-se que a poesia angolana, de ontem e de hoje, é muito apreciada.
    Agora se a cultura angolana não é mais conhecida, a deficiente divulgação ´será da responsabilidade de quem de direito.

    um abraço

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  3. A politica brasileira está a passar por um momento que nós deviamos ansiar para nós. Eleições a cada 4 anos, liberdade de falar sobre as falcatruas dos politicos, vários processos contra politicos corruptos, escutas telefónicas a criminosos, fim da impunilidade.
    A politica brasileira não chama a atenção neste momento pela quantidade de sujeira que está a ser encontrada, mas pelo facto de estar se a varrer e a arejar a casa. Quando chegarmos a este ponto, quando começarmos a varrer a nossa casa, vai ter de haver uma revolução porque não vai restar nada. A nossa casa está podre, e o bicho da corrupção está intranhado nos nossos alicerces.
    O palhaço é fruto da combinação de três factores: politicos corruptos que enojam qualquer cidadão a hora do jantar em frente a televisão, maus governantes que tornaram o Brasil uma oligarquia, com quase nada de investimento na educação, dando fruto a uma classe semi analfabeta numerosa que se revê no palhaço popular e a fresca mudança que dá estimulo e esperança ao povo para mudar a situação.
    O povo acredita que elegendo gente como ele, semianalfabeto, vai ter alguém para o defender e poder resolver os seus problemas. Porque convenhamos é dificil para alguém sem água encanada, electricidade, escola e emprego, entender as noticias quando Brasil está a mediar as relações com o Irão ou quando Angola torna-se dona de empresas portuguesas.

    O Palhaço analfabeto como aqueles que votaram nele, não é um Zorro que deve ser mantido no seu cargo pelo respeito ao glorioso poder popular. O palhaço não devia nem existir tal como não deviam existir as favelas, os guetos, os rocha pinto da vida. E sim se ele for analfabeto deve ficar invalido a votação nele, e os governantes devem cobrir se de vergonha e começar a trabalhar para aqueles para quem trabalham.

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  4. Com respeito aos comentaristas que me antecdem e a quem atribuo igualmente mérito, gostei da exposição do autor do blogue.
    Há factos e opinião que fale por que vale...

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