quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A SAÍDA DO GENERAL “NGONGO”

  1. A demissão do General Roberto Leal Monteiro, “Ngongo”, do cargo do Ministro do Interior, soou como o estrondo provocado por uma bomba. Tomei conhecimento do facto pela imprensa, quando estava próximo o meu regresso a Luanda, após ter participado numa conferência auspiciada pela Universidade de Wageningen, na Holanda. Os despachos da Agência Portuguesa de Notícias, a Lusa, e também da nossa Angop aludiam à “exoneração” do cargo, e não, propriamente, à sua “demissão” – o que são coisas diferentes, mesmo que, conceptualmente, próximas.

  1. Pensei, então, legitimamente que, face ao sucedido em São Tomé com o cidadão português, Jorge Oliveira, o General “Ngongo” havia tomado ele próprio a iniciativa de solicitar ao Presidente da República, Eduardo dos Santos, que o libertasse daquele cargo, assumindo, assim, a responsabilidade política pelo desastrado acto cometido por elementos organicamente sujeitos à sua tutela.

  1. Conhecendo como conheço o General “Ngongo” – e já lá vão dezenas de anos, desde os nossos tempos do Liceu Salvador Correia –, gostaria que a sua desvinculação do cargo de Ministro do Interior tivesse acontecido por via de um pedido de “exoneração”, e não por “demissão”, sendo esta uma figura mais grave, mais penalizadora.

  1. A exoneração pode decorrer da vontade expressa da própria pessoa que ocupa o cargo. É uma espécie de alívio de carga, de retirada de um peso, de supressão de um ónus. A exoneração pode ainda resultar de iniciativa do superior hierárquico, talvez por este ter constatado que o subordinado tivesse demasiada carga, demasiada responsabilidade, optando, assim, por o aliviar desse ónus.

  1. A figura da demissão do cargo público surge como um castigo, uma penalização resultante de um qualquer incumprimento, pelo cometimento de irregularidade, ou mesmo pela prática de uma ilegalidade – como, afinal, ficou esclarecido no Despacho Presidencial.

  1. Por norma, acompanho de perto o desempenho de um grande número de titulares de cargos públicos. A minha atenção é ainda maior, quando os titulares são pessoas que conheço bem e, sobretudo, que aprecio e respeito (como é o caso). Nunca fico indiferente, também, quando alguém está incumbido de tarefas relevantes para o destino do país.

  1. Por exemplo, durante a guerra, o meu cuidado principal virou-se para as áreas de defesa e segurança, de que dependia a nossa segurança interna e também externa. Porém, com o advento da Paz, virei a minha bússola para a actuação e o desempenho dos responsáveis das áreas económica e social. Nestes últimos tempos, cuido ainda de observar como se portam os serviços tutelados pelo Ministério do Interior, em especial, as suas diversas polícias.

  1. A segurança das fronteiras é crucial para a estabilidade do nosso país. Mas a criminalidade interna tem merecido um cuidado cada vez maior, sobretudo, porque temos perfeita percepção de que ela só pode ser eficazmente combatida se conjugarmos medidas preventivas com medidas repressivas. São com que duas faces da mesma moeda, e devem ser sempre aplicadas de uma forma proporcional, dependendo das circunstâncias.

  1. Pareceu-me, pois, que terá sido essa a razão que determinou a escolha do Presidente da República, Eduardo dos Santos, quando fez do General “Ngongo” Ministro do Interior. Terá achado que ele corporizava a figura capaz de atingir tais objectivos.

  1. Do meu ponto de vista, o General “Ngongo” conseguiu criar uma imagem mais favorável para o complexo aparelho que é o Ministério do Interior. E fê-lo com tenacidade e com persistência. Viu-se-lhe amiudadas vezes uma clara intenção de fazer prevalecer os princípios fundamentais que devem reger o Estado de Direito Democrático.

  1. Não é nada fácil transformar a máquina pesada que dirigiu durante uns bons anos num organismo respeitado. Mas o General “Ngongo” deu continuidade ao trabalho já iniciado pelo infausto General Osvaldo Serra Van-Dúnem, hoje de boa memória e sempre lembrado.

  1. Nos últimos anos, era notório o seu esforço para modernizar os órgãos policiais, sobretudo, para criar uma nova mentalidade, uma nova cultura nos órgãos sob a tutela do Ministério do Interior. Reorganizou a estrutura, admitiu gente nova, gente com formação académica mais elevada, homens e mulheres mais adequados aos crescentes desafios do momento.

  1. Mesmo que sejam ainda apontados repetidos de actos de verdadeira barbárie a polícias – e que chocaram profundamente a opinião pública – íamos já respirando uma nova esperança, uma maior distensão, uma maior confiança.

  1. Apreciei, sobretudo, a realização pela polícia de campanhas de sensibilização dos cidadãos contra práticas incorrectas e contra actos em contravenção às normas socialmente estabelecidas. Por isso, quando soube do desastrado acto que envolveu o cidadão português em São Tomé, fiquei preocupado com a imagem pública do General “Ngongo” e da instituição que dirigia.

  1. Compreendo perfeitamente que o nosso país não pode carregar às costas a imagem de um Estado trapaceiro que “rapta” cidadãos num país estrangeiro – violando a soberania dos outros Estados e desrespeitando as normas do direito internacional. Por isso, o culminar deste episódio tem perfeita justificação – mesmo que eu preferisse que o meu amigo “Nini” Monteiro tivesse ele próprio solicitado a sua exoneração. Seria uma solução menos gravosa, que não mancharia tanto a sua longa folha de serviço público.

  1. Espero, pois, que esse acto sirva para todos reflectirmos seriamente sobre o modo como devemos conviver, quer nas relações institucionais, quer mesmo aqui entre nós, aqui dentro das nossas fronteiras, onde são bem visíveis, e crescentes, as apetências para se fazer do Estado de Direito Democrático uma frase oca e sem sentido.

  1. Neste momento menos bom para o General “Ngongo” – o nosso “Nini” Monteiro do Liceu Salvador Correia – eu quero testemunhar-lhe publicamente o meu apreço, e agradecer-lhe pelo modo como soube interagir com a sociedade, em especial, com comunicação social, de que nunca distinguiu a pública da privada. A ambas deu a dignidade que merecem, sabendo, assim, mostrar o respeito que nutre pelo seu povo – um povo que também ajudou a libertar.

1 comentário:

  1. Sabe bem ver uma amizade sem sectarismos. O General Ngongo deve sentir-se feliz por saber que tem amigos verdadeiros com que pode contar nas horas menos felizes. Uma amizade assim, é eterna.

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