segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS POLÍTICOS


Hoje, nos países democráticos, a questão do financiamento dos partidos políticos é das mais sensíveis, tendo-se transformado, inclusive, num dos temas mais amplamente discutidos. Tem sido também o responsável pela desgraça política de figuras emblemáticas ao nível mundial.

Recentemente, por exemplo, ribombou como se fosse um trovão um escândalo envolvendo o ex-presidente francês, Jacques Chirac, ao ponto de ter ido parar às barras do tribunal, acusado publicamente do favorecimento com empregos fictícios de 21 falsos funcionários da Prefeitura de Paris, ao tempo em que era o seu responsável máximo. Decorria, então, a década de 1990. Para a acusação, os supostos funcionários seriam correligionários políticos de Jacques Chirac. A falsa qualidade dos funcionários em causa transformou o ex-presidente Jacques Chirac em autor de dois tipos de crimes perfeitamente tipificados: o de “desvio de fundos públicos” e o de “abuso de confiança”.

A prática dos crimes chamuscou a imagem pública de Jacques Chirac e, em consequência, reduziu a relação afectuosa que, ao longo dos anos, se estabeleceu entre esse carismático político e o público francês. Jacques Chirac foi, pois, mais uma vítima do modo, mais ou menos secreto, como muitos partidos políticos se procuram financiar.

No Brasil, os mandatos presidenciais de Lula da Silva também ficaram marcados por escândalos de corrupção que tiveram como base o financiamento encapotado do Partido dos Trabalhadores. Quem não se lembra do célebre “Mensalão”, e de nomes como Marcos Valério, José Dirceu, ou mesmo até António Palocci? Estes tornaram-se figuras centrais de um esquema de corrupção tido por alguns como dos maiores da história política brasileira.

Na Alemanha, em 1999, estoirou um escândalo envolvendo o então Chanceler Helmut Kohl, que admitiu ter financiado o seu partido, o Partido Democrata Cristão, por meio de um engenhoso esquema montado no exterior. Ficou conhecido como “O esquema do Caixa 2”.

Estamos, pois, a ver que a problemática do financiamento ilegal dos partidos políticos não é um “privilégio” dos países menos desenvolvidos. O financiamento ilegal dos partidos políticos entra também muito para dentro dos países mais desenvolvidos.

Já houve quem tivesse dito que o fenómeno do financiamento ilegal dos partidos políticos é uma espécie de “corrupção democrática”, pois ocorre em todos os lugares, independentemente do grau de desenvolvimento das sociedades e dos estados. Todavia, sempre que emergem escândalos desse tipo nos países democráticos, de imediato, instituem-se reformas no sistema de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, reduzindo, assim, a sua incidência e os seus impactos. Pelo menos, temporariamente.

Nos países democráticos, a constante é o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização, o que cria algum pânico no seio da classe política. Mas, de seguida, os políticos encarregam-se de sofisticar os métodos de actuação – fazendo ressurgir a ilegalidade – e, de algum modo, relembrando a brincadeira do gato e do rato…

Nos EUA, o financiamento dos partidos políticos tem características diferentes. Creio que o que diferencia os EUA de outros estados democráticos são os limites que são legalmente estabelecidos ao financiamento privado e ao financiamento individual. Por norma, os americanos “popularizam” mais as receitas arrecadadas pelos partidos políticos ou pelos candidatos, estabelecendo limites aos montantes das contribuições, com excepção da participação do próprio partido ou do montante desembolsado por cada candidato a partir do seu próprio bolso. Ao traçar tais limites, reduz-se a capacidade de os doadores se apropriaram da vontade política dos receptadores.

A lei angolana também impõe limites ao financiamento dos partidos políticos – não permitindo, por exemplo, o uso de fontes externas.

Internamente, pelo menos do ponto de vista teórico, a principal fonte de financiamento dos partidos políticos angolanos é o Orçamento Geral do Estado. O OGE financia os partidos por duas vias: pelo número de assentos parlamentares conseguido pelo partido e pelo número de votos obtidos nas eleições legislativas. O que implica que, para a sua actividade corrente, um partido sem assento parlamentar não tem direito a qualquer subsídio estatal.

Nas últimas eleições legislativas, um partido político, o PDP-ANA, não obteve qualquer assento parlamentar, porém, ele conseguiu o número de votos bastante para não ser extinto de acordo com a lei. Do meu ponto de vista, o PDP-ANA deveria manter o subsídio do Estado, em função do número de votos alcançados.

Penso que essa questão deverá ser uma matéria a ser tida em conta numa próxima reformulação da Lei do Financiamento dos Partidos Políticos. É preciso garantir o financiamento estatal aos partidos que não forem extintos e que obtenham, por exemplo, um “score” eleitoral igual ou superior aos famosos 0,5%. Fazendo-se justiça ao partido político, está a fazer-se igualmente justiça ao eleitorado que em si acreditou. Essa, sim, é uma forma exemplar de se financiar a democracia.

De modo algum ponho em pé de igualdade esses partidos e aqueles que não concorram aos pleitos eleitorais ou que não obtenham o “score eleitoral” definido como mínimo. Julgo mesmo que essa cláusula de financiamento deitaria por terra a teoria da extinção. A extinção dar-se-ia, pois, por inanição e não por via administrativa.

A prática vivida em Angola prova ainda que há quem esteja a retirar fartos privilégios do seu relacionamento com as empresas e os empresários. Por exemplo, quem favorece o surgimento e o desenvolvimento de empresas privadas tem sabido retirar o máximo proveito desse laço. Face aos restantes, ele parte para qualquer pleito eleitoral em clara vantagem.

Não é segredo para ninguém que, em Angola, se dá destino privado a muito daquilo que deveria ser só do interesse público. Logo, no jogo do acesso aos recursos, o nosso país é, talvez, o melhor espaço para se aplicar o célebre conceito segundo o qual “há mesmo filhos e enteados”.

Há dias, o presidente do MPLA reuniu com centenas de empresários nacionais. Fê-lo nessa qualidade, mas, a determinada altura, tudo se confundiu… Fazendo-se acompanhar de ministros e de outros dignitários do Estado, JES deitou claramente para o lado a veste de líder partidário e vestiu – com enorme deselegância – a veste de Chefe de Estado. Ao agir assim, JES manifestou desrespeito pelos destinatários da sua mensagem, e mostrou pouco apreço pela sua suposta condição de presidente de todos os angolanos. Confundiu uma acção de carácter partidário com um acto do Estado. Do modo como o encontro decorreu, ficou mais do que evidente que, afinal, a mentalidade do Partido Único ainda está bem viva entre nós.

Tornou-se muito mais perceptível, então, que é preciso e até urgente dar-se um forte impulso ao processo de democratização do nosso país. Caso contrário, mais dia, menos dia, alguém nos poderá vir solenemente dizer que a democracia foi tão-somente um simples devaneio de poetas… Tal como o foi a sociedade sem classes e de todos iguais, como nos dizia Agostinho Neto e, também, JES. Esse alguém poderá também dizer-nos que, afinal, tudo não passou de uma brincadeira, a modos de “O Dia das Mentiras”…

A diferença entre o financiamento ilegal dos partidos políticos, nos países democráticos e nos países não democráticos, e até nos países “onde se brinca às democracias”, é que, nos primeiros, as instituições funcionam – daí que todos quantos caiam sob a alçada da lei, são punidos; enquanto que, nos outros, a lei é o interesse dos próprios chefes, e estes, se o quiserem, podem fazer o que lhes der na cabeça: podem elaborar leis visando os seus interesses egoístas e imediatos, e não se importam mesmo de pisotear as leis, desde que possam retirar os benefícios desejados.

Em França, Jacques Chirac enfrentou os tribunais, porque violou a lei. Nos nossos países, os violadores das leis, e, sobretudo, aqueles que condicionam flagrantemente o empresariado, pretendem ser quase que endeusados… Daí ser aconselhável nunca confundirmos uma democracia com uma qualquer democratura…

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