quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

UM RECUO HISTÓRICO


Ainda não é correcto dizer-se que a Europa Ocidental vive um período de revolução. Mas, pelo modo como correm os dias de hoje, estamos perante uma realidade que poderá conduzir à alteração profunda, quer do processo de integração da Europa, quer do seu modelo social. Sinto, muito sinceramente que, cada vez mais, para aí se caminha.

Conceptualmente, uma revolução pode ser assumida em duas perspectivas: como, por exemplo, um avanço, uma transformação no modo de produção (veja-se a Revolução Industrial na Inglaterra, quando a maquinaria tomou grande parte do lugar do trabalho manual no processo de produção das mercadorias); ou como uma mudança mais radical, pondo em causa os próprios fundamentos da sociedade, nas suas dimensões política, económica e social. É, então, uma revolução contra a ordem, e não dentro da ordem, como diriam Marx e Engels. Uma mudança contra a ordem é, geralmente, mais traumática que uma mudança dentro da ordem. Os exemplos são variados: as Revoluções Francesa, Russa, Chinesa, ou mesmo até o processo que nos conduziu à independência, e depois o período que se seguiu.

Actualmente, o elo mais fraco da cadeia na Europa é a Grécia, seguida de Portugal, Itália e Espanha. Os últimos desenvolvimentos começam a apontar para a existência de países que prefeririam ver a Grécia na bancarrota para, assim, mais rapidamente ela sair da Zona Euro. Deixaria de ser um peso para os outros, e não os contaminaria.

O ministro grego das Finanças manifestou, nos seguintes termos esse pensamento: “É preciso dizer a verdade ao povo grego: há vários países que já não nos querem. Mas é preciso convencê-los de que a Grécia pode vencer e permanecer no grupo, pelas próximas gerações”. E continuou: “Os desafios da nossa geração são quer os sacrifícios e os cortes, quer a catástrofe nacional que pode arrastar a nossa sociedade, as nossas instituições e a democracia”.

O que o ministro grego quis dizer foi que, se os gregos não consentirem os sacrifícios que lhes são pedidos, então, advirá a catástrofe, e ela que surgirá sob a forma de subversão das instituições e da própria democracia.

As afirmações mais polémicas sobre a capacidade da Grécia poder cumprir com as exigências que se lhe são impostas vêm, sobretudo, do polémico ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schaueble, que foram recentemente secundadas por uma comissária europeia, a holandesa Neelie Kroes, que é também vice-presidente da Comissão Europeia dirigida pelo português Durão Barroso.

O medo de um cenário catastrófico para a Grécia é grande, e ele pode repercutir-se em toda a Europa, com consequências devastadoras.

A classe política grega entrou em transe e a rua parece disposta a tomar o controlo (descontrolo) da situação. Praticamente, não há sector social que não se ressinta da crise, nem há quem esteja disponível para receber sobre si o peso maior do sacrifício. Por isso, são cada vez maiores as manifestações públicas de desagrado pelas crescentes medidas de austeridade que são propostas e impostas.

As propostas são draconianas: mais redução dos salários (públicos e privados), das pensões, diminuição do volume de funcionários, etc. Sem esses resultados, a Europa ameaça não continuar a financiar o orçamento grego.

No cerne do problema parece estar uma visão dicotómica: consolidação orçamental ou crescimento económico. Qual dos dois é o prioritário?

A Chanceler alemã, Angela Meckel, é tida como a grande apologista da primeira opção, pelo menos, como a prioritária. Por sua vez, a francesa Christine Lagarde, actual líder do FMI, parece inclinar-se para uma via dupla: ordem nas contas públicas e crescimento da economia.

A realidade vai demonstrando que as economias europeias entraram em derrapagem, aumentando a cada dia o número de países em recessão. Em contrapartida, a economia norte-americana cresce, mesmo que com ritmos moderados, muito por força da comercialização de novas reservas energéticas, conjugada com uma política de contenção no aumento dos salários reais, tornando, assim, os seus produtos mais competitivos.

A situação grega não é única. Todo o sector financeiro europeu está numa crise desesperante, ao ponto de as agências internacionais de “rating” estarem a rebaixar a cotação dos bancos e das seguradoras. Hoje quase já não há país na Europa comunitária com instituições financeiras bem cotadas internacionalmente. São francesas, austríacas, belgas, finlandesas, alemães, dinamarquesas, holandesas, espanholas, britânicas, de todas as partes. E o que é mais grave é que, por causa do enorme peso das suas dívidas soberanas, os Estados vêem-se incapazes de sair em socorro dos bancos. Teme-se já uma repetição da situação de crise que os EUA viveram em 1929, na Grande Depressão.

Por alturas de 1933, o presidente norte-americano, Franklin Roosevelt, lançou o “New Deal”, uma política inspirada pelo economista britânico John Keynes, reformulando o sistema financeiro e arrancando com um enorme projecto de construção de obras públicas, tendo conseguido relançar a economia.

Por inspiração alemã e também francesa, a Europa está a seguir uma via contrária. E a economia está a afundar-se, pondo em causa não só o processo de integração mas, igualmente, o modelo social a que a Europa se habituou.

Não creio que seja o modelo capitalista que está moribundo, ao contrário do que muitos certamente pensam ou desejariam. Mas, estou em crer que, se a economia europeia descambar para o desastre, então, adeus ao seu modelo que, afinal, foi o garante da democracia, tal e qual como a conhecemos hoje.

Vislumbra-se agora a entrada em força de outros actores mais empenhados no crescimento das suas economias, mas pouco ou nada dados a veleidades democráticas. Será, então, uma verdadeira revolução, pois serão profundamente abaladas quer as instituições, quer as regras basilares da democracia. Não será, garantidamente, um avanço. E a história dos homens regredirá.

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