quarta-feira, 8 de agosto de 2012

QUE SE RETIRE O BIOMBO POLÍTICO


  1. O líder do maior partido político da oposição, Isaías Samakuva, presidente da UNITA, e o presidente da CASA-CE, Abel Chivukuvuku, lançaram um repto ao presidente do MPLA e seu cabeça de lista às próximas eleições, José Eduardo dos Santos, para um debate, a fim de esgrimirem em público os seus argumentos para o pleito eleitoral do dia 31 de Agosto. Este convite transformou-se, assim, num facto político que passou a ser tema de análise para jornalistas e analistas políticos. Teve um tal impacto, ao ponto de fazer parecer que terá sido em Angola que foi feita a descoberta da roda…



  1. Na realidade, os debates públicos entre candidatos são uma prática normal em democracia. Infelizmente, para nós, democraticamente muito atrasados, um evento desse género funcionará como uma descoberta fenomenal. Merecerá, por parte de alguns, o soltar do célebre grito “Eureka!”, a velha expressão que é historicamente atribuída ao matemático grego Arquimedes de Siracusa (ainda antes de Cristo), quando ele, mergulhado numa banheira, constatou que o volume de qualquer corpo pode ser calculado medindo o volume da água movida quando o corpo é submergido nela.



  1. Para alguns, pelo que tenho constatado nas suas intervenções, desafiar José Eduardo dos Santos para um debate público equivalerá a uma espécie de “heresia”, devendo, por isso, os “hereges” serem levados a um qualquer “tribunal de inquisição”, pois que o “Chefe” não se contesta, muito menos se confronta. Dirão estes, então: “Afinal, o que é isso?! Onde é que estamos, então?!”



  1. Mas, vamos, por momentos, recordar um pouco da nossa história “democrática” dos últimos 20 anos.



  1. Das eleições de 1992, vêm-me muitas vezes à memória as entrevistas individuais feitas pela televisão a alguns dos candidatos de então. Que me lembre, apenas não foram entrevistados José Eduardo dos Santos, Jonas Savimbi e Holden Roberto.



  1. Em 1992, não tiveram propriamente lugar debates entre candidatos, como os que agora propõem Isaías Samakuva e Abel Chivukuvuku a José Eduardo dos Santos. Foi um “pivot” da televisão que se encarregou de questionar os candidatos, e abriu depois o espaço para os questionamentos vindos dos telespectadores.



  1. De um modo geral, os telespectadores que entraram em directo portaram-se com elevação e civismo. Porém, houve quem tivesse optado pela deselegância e pelo insulto, descarregando sobre alguns dos candidatos os seus preconceitos e as suas frustrações. Fica, pois, para a memória, essa tentativa de exercício democrático, mesmo com as limitações que apontei.



  1. Como foi algo de inédito, de um modo geral, os protagonistas mostraram uma razoável imaturidade, chegando, em alguns casos, a ser mesmo até risíveis. Penso que esses chamados “candidatos menores” apareceram, mais porque necessitavam de ter alguma visibilidade. Eles eram, como se viu, desconhecidos do grande público. Passaram-se 16 anos e, em 2008, nas segundas eleições, já com outros protagonistas, nem mesmo aquele “cheirinho democrático” se repetiu.



  1. É bom que se diga que as eleições de 2008 não foram presidenciais, tais como em 1992 (em que houve, simultaneamente, legislativas e presidenciais). Dos grandes protagonistas de 1992 restaram, como cabeças de lista dos seus partidos, apenas José Eduardo dos Santos, presidente do MPLA, e Anália de Vitória Pereira, do PLD. Rui de Vitória Pereira, Milton Kilandomoko, Holden Roberto, Jonas Savimbi, Mfulunpinga Landu Victor, deixaram de fazer parte da pauta eleitoral de 2008, porque já não faziam parte do mundo dos vivos.



  1. Não há, portanto, entre nós, uma cultura do debate político público entre candidatos. As entrevistas de 1992 a alguns candidatos podem considerar-se episódicas e não fizeram escola. O confronto directo entre candidatos jamais foi praticado aqui no nosso meio.



  1. O que temos visto, sim, desde há alguns anos atrás, é o debate público radiofónico (poucas vezes, televisivo), geralmente exercitado por quadros técnicos ou por quadros políticos de escalão mais ou menos intermédio. Hoje por hoje, por razões que a razão desconhece (será mesmo que desconhece?) até mesmo esse debate público vai sendo espartilhado. Tem se feito questão de deixar todo o espaço de intervenção pública a vozes de um só tom. Ou mais ou menos assim.



  1. Por norma, os grandes responsáveis políticos, os grandes decisores políticos escondem-se por detrás de verdadeiras redomas, ficando, assim, protegidos das críticas directas. Ficamos, pois, sem saber qual a sua real capacidade discursiva. De papel na mão, seguramente escrito por assessores, lá vão eles, então, aparecendo a debitar ideias e propostas, ao ponto até de se enganarem na pontuação.



  1. Também é verdade que os grandes decisores políticos jamais escrevem algum texto de opinião para um jornal ou um semanário, como é prática corrente nos países democráticos e entre políticos que não temem esconder as suas reais capacidades. Esse défice de exposição pública faz-nos parecer que somos governados por seres extraterrestres…



  1. As nossas campanhas eleitorais são, sim, uma farsa. Elas baseiam-se na apresentação de documentos, por norma encomendados a empresas especializadas e que se fazem pagar por muito dinheiro. O resto é, quando muito, charme pessoal e um grande desrespeito pela palavra dada, baseados no pressuposto de que a memória popular é demasiado curta, não ultrapassando geralmente os 6 meses. Por isso mesmo, nas nossas campanhas eleitorais fazem-se promessas mirabolantes, sabendo-se, antecipadamente, que não serão cumpridas.



  1. O respeito pela palavra dada não faz parte do nosso historial político, nem no período do partido único, nem neste período mais recente que eu ainda não consigo caracterizar bem. O recurso ao “ilusionismo político” é, pois, uma prática corrente.



  1. O confronto entre candidatos, em debate público, seria uma forma de vermos uns e outros a esgrimirem os seus argumentos e a mostrarem as suas reais capacidades. Deixariam, assim, de ter as suas capacidades disfarçadas por detrás de algum biombo… Por via dos debates públicos, em pé de igualdade, veríamos quem é quem, e quem, de facto, vive à custa das assessorias e das suas máquinas partidárias…



  1. Em democracia, é necessário conhecer-se bem quem pretende mandar em nós, para sabermos em que mãos nós estamos a entregar o nosso futuro. É que, por vezes, os protagonistas mais não passam de marionetas nas mãos de aparelhos partidários. Não poucas vezes até de máquinas perversas… Conhecem-se variados exemplos de verdadeiros grupos mafiosos que se escondem por detrás de instituições de aparência credível.



  1. Veja-se o modo como, nesta campanha eleitoral, se está a utilizar uma fotografia de há trinta anos para representar um candidato de agora. Clara manipulação de imagem que indicia, sobretudo, falta de escrúpulos. Isso não passa de uma espécie de “doping político”. Pretende-se, assim, emprestar uma imerecida vantagem de imagem a um determinado concorrente.



  1. Sou, claramente, pelo debate de ideias em público, entre aqueles que querem definir os destinos do nosso país e guiar as nossas vidas nos próximos cinco anos. Não compreendo, pois, como é possível alguém dizer-se democrata e, de seguida, escusar-se ao debate com aqueles com quem disputa o mesmo lugar.



  1.  Será, porém, um tremendo erro candidatos da oposição aceitarem debater entre si, deixando de fora quem tem o lugar em causa. Num debate apenas entre candidatos da oposição seriam apenas eles que se desgastariam. Já basta todas as demais vantagens. Dar-se ainda mais uma a quem já beneficia das outras todas, entre elas a de continuar resguardado por detrás de uma redoma, seria, penso eu, de uma ingenuidade imperdoável!

1 comentário:

  1. O MPLA trata JES como um 'deus' e não hesitam em enxer a boca para dizer que JES está acima dos outros candidatos e como tal, não deve debater com seres menores.

    Como eleitor, sinto-me ofendido. Estou farto de viver num país faz-de-conta!

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