quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A UTOPIA DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO


  1. O Ministro das Relações Exteriores, George Chicoti, declarou, em Nova Iorque, que “em Angola, não há violação dos direitos humanos”. Admitiu, porém, “haver, naturalmente, incidentes que podem, por vezes, ferir algumas pessoas”. Mas, acrescentou que tais factos não devem ser imputado ao Governo angolano.

 

  1. As afirmações do Ministro são, no mínimo, cínicas e ridículas, mesmo que ele as tenha pronunciado no momento em que empreende uma clara e inequívoca campanha diplomática para promover a imagem do Governo. Recordo que o Governo está vivamente empenhado em fazer Angola aceder ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e integrar a Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

 

  1. O Conselho de Segurança das Nações Unidas é composto por 15 membros, dos quais 5 são membros permanentes – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – e os restantes são rotativos, com um mandato de 2 anos, e escolhidos pela Assembleia Geral em função de critérios específicos da organização, nomeadamente: contribuição para a manutenção da paz e segurança internacional, e distribuição regional equitativa. Aos membros permanentes e rotativos do Conselho de Segurança não se exigem, pois, credenciais democráticas.

 

  1. De igual modo, a forma de acesso ao Conselho dos Direitos Humanos não impõe algum comprometimento com o respeito desses Direitos. Ao ponto de, em 2003, a Líbia ter presidido tal Conselho – na altura ainda designado Comissão dos Direitos Humanos. Os assentos no Conselho são afectados por distribuição regional, tal como sucede com os membros não permanentes do Conselho de Segurança.

 

  1. Compete ao Conselho dos Direitos Humanos examinar, vigiar e elaborar relatório público sobre a situação dos direitos humanos em países ou territórios específicos, assim como os principais fenómenos mundiais que colidam com os direitos humanos.

 

  1. O nosso Governo e o partido que o suporta buscam, neste frenesim diplomático, encontrar um assento no Conselho dos Direitos Humanos, não propriamente porque tenham assumido forte compromisso com o respeito por esses mesmos direitos ao nível interno, mas, sim, porque, estando lá dentro, podem de algum modo influenciar o conteúdo dos seus relatórios. Além de que poderão fazer traduzir em dividendos políticos internos, uma presença que não condiz com a sua prática corrente.

 

  1. A actividade humana deve pautar-se por princípios e valores. E deve, também, ter limites. Uns desses limites serão ditados pela necessidade de garantir a sobrevivência das espécies, para a manutenção da vida com qualidade e diversidade; outros limites deverão ser estabelecidos a partir de critérios de ordem moral e ética, visando garantir uma sã convivência, como forma de preservar a harmonia social.

 

  1. É o respeito destes últimos limites que nos inibe de fazer da arena política “o campo onde tudo vale”. Quando se violam tais limites, visando preservar interesses egoístas de determinados grupos, destapa-se a “Caixa de Pandora”. E corre-se o risco da perda de qualquer réstia de credibilidade.

 

  1. Todos os dias somos confrontados com notícias de atropelos e violações dos mais básicos direitos humanos, em actos praticadas por agentes públicos, quer sejam actores políticos, quer sejam elementos ligados aos órgãos de defesa, segurança e ordem pública. Poucas (ou nenhumas) são as vezes que tais actos são repudiados publicamente – de forma inequívoca e contundente – pelas altas hierarquias do poder.

 

  1. Nos casos em que os atropelos e violações dos direitos humanos têm carácter eminentemente político, via de regra, segue-se um silêncio ensurdecedor… O poder político emudece, o que me leva legitimamente a pensar que não passam, afinal, de actos perfeitamente consentidos e enquadrados numa estratégia mais geral de intimidação e amordaçamento da sociedade.

 

  1. Se é verdade que são práticas generalizadas por todo o pais, também é verdade que, à medida que nos afastamos da cidade capital, a incidência e a gravidade das violações dos direitos políticos dos cidadãos ainda se tornam maiores, levando-nos a pressupor que, nesses territórios mais distantes, o que impera, de facto, é o caciquismo na sua versão mais primária… Aí o poder político impõe-se à cacetada, como se os cidadãos fossem simples rebanho…

 

  1. Ultimamente, e fruto da acção e crescente mediatização das redes sociais, vemos ilustrados publicamente diversos actos de vandalismo praticados por agentes policiais, que ocorrem quer em hasta pública, quer no interior das esquadras. Em consequência dessa importuna e demasiado incomodativa exposição pública, ao Ministro do Interior não tem restado outra alternativa que não seja a abertura de inquéritos para o apuramento de responsabilidades e para a consequente punição administrativa dos agentes envolvidos na barbárie.

 

  1. Porém, face à inconclusiva penalização criminal, a sociedade vê goradas as suas expectativas de justiça. O exemplo mais chocante foi o do chamado “Massacre da Frescura” que terminou por passar a ideia de que, afinal, todos os polícias envolvidos nos assassinatos eram, apenas e tão-somente, “bons rapazes”…

 

  1. A opacidade dos procedimentos do passado – que tornou rotineiras as agressões contra cidadãos – e a ineficácia das medidas do presente, geraram o descrédito que se apossou da população. Daí que um bom número de agentes policiais se sinta cada vez mais alheio às consequências das leis, e prossiga violando, contínua e flagrantemente, os direitos mais elementares dos cidadãos.

 

  1. A cumplicidade implícita (ou explícita) por parte de quem tem a obrigação política de ser um agente público comprometido com a garantia dos direitos humanos, faz com que reine o descrédito nas autoridades. Para a maioria, o Estado de Direito Democrático é apenas ilusório, não se colando com a realidade.

 

  1. O caso mais evidente do desencontro entre a realidade e a ficção é o impedimento de manifestações públicas que não visem louvor o poder instituído e o seu mais alto mandatário. As manifestações de sinal contrário são sempre selvaticamente reprimidas – mesmo ainda antes de elas terem lugar, com ameaças, raptos e prisões dos seus organizadores.

 

  1. Tornaram-se vulgares imagens de jovens feitos mártires da sanha repressiva de agentes à paisana ou fardados. Uma repressão que se constitui, no final, num estímulo a novas adesões ao já muito mediático Movimento Revolucionário.

 

  1. Aos mais diversos níveis, as autoridades vão dando verdadeiros tiros nos pés… Falam em diálogo com a juventude mas, quando os elementos contestatários da juventude se expõem, o poder acusa-os de subversivos e de pretenderem alterar violentamente a ordem pública. Inclusive, fabricam-se panfletos a instigar à violência que, depois, são exibidos nos órgãos de difusão massiva pública como sendo da autoria dos manifestantes. Essa é uma prática mafiosa e fascista que só desacredita o Estado.

 

  1. O caso mais caricato de descrédito das instituições foi o recente espectáculo de péssimo gosto protagonizado pela polícia. Libertados provisoriamente por determinação do tribunal, a polícia decidiu, com descarada arbitrariedade, devolver à prisão os jovens do chamado Movimento Revolucionário. Decidiu também deter e praticar sevícias sobre jornalistas, quer em público, quer nas esquadras. Que “crime” teriam, então, cometido os jornalistas? Muito simples: quiseram tão-somente ouvir declarações dos jovens anteriormente libertados por ordem do tribunal. E que novo “crime” terão cometido os jovens? Muito mais simples ainda: estarem a conversar com os jornalistas.

 

  1. O elemento mais “interessante” de todo aquele “teatro” e que lança para o charco o discurso diplomático do Sr. Ministro das Relações Exteriores, foi a detenção e o maltrato infringido a um jovem empresário que, do seu gabinete de trabalho, tomava imagens da barbárie policial a que assistia a poucos metros de distância.

 

  1. O quê que as entidades públicas e políticas fizeram para debelar o mal e punir os violadores da lei? Nada. Silêncio sepulcral. Ficaram calados, como se nada de grave tivesse acontecido, o que evidencia o seu não comprometimento com o Estado de Direito. E que a Democracia é um regime político que não lhes diz respeito. E mais: que o Sistema Político Multipartidário é tão-somente um expediente para a venda de imagem.

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