quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A CONTROVÉRSIA DOS “PRÉMIOS NOBEL”


  1. Em testamento escrito em 1885 – portanto, um ano antes da sua morte – o Engenheiro químico sueco, Alfred Nobel, apontou para a criação de uma Fundação que, anualmente, viesse a premiar quem tivesse contribuído mais para o desenvolvimento da humanidade. Quatro anos após a sua morte, foi instituída a “Fundação Nobel” que assumiu a responsabilidade de premiar 5 áreas distintas do saber, nomeadamente, Química, Física, Fisiologia (ou Medicina), Literatura e a Paz Mundial.

 

  1. O Prémio Nobel da Química e o Prémio Nobel da Física passaram a ser nomeados por especialistas escolhidos pela Academia Real de Ciências da Suécia. O Prémio Nobel da Literatura ficou sob s responsabilidade da Academia Sueca. O Prémio Nobel da Medicina sob s alçada da chamada Assembleia Nobel do Instituto Karolinska. Enquanto que a nomeação do Prémio Nobel da Paz passou para a responsabilidade de um comissão do Parlamento da Noruega, designada Comité Norueguês do Nobel.

 

  1. O Prémio Nobel da Economia (na verdade, denominado “Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel”) surgiu em 1968, já muitos anos após a criação da “Fundação Nobel”, sendo suportado com dinheiro público do Banco Central da Suécia. A responsabilidade do seu escrutínio é de um júri designado pela Academia Real de Ciências da Suécia.

 

  1. Embora todos eles sejam popularmente conhecidos por “Prémios Nobel”, a responsabilidade da sua nomeação não é comum, e um deles, o Prémio Nobel da Paz, provém até da Noruega.

 

  1. Por curiosidade, resolvi pesquisar os nomes e as nacionalidades de todos os laureados com os “Prémios Nobel”. E verifiquei o seguinte:

 

i)                   Desde 1901, a esmagadora maioria dos laureados com o Prémio Nobel da Química é originária dos EUA – mas, também, da Europa Ocidental (Alemanha, Reino Unido e França, etc.). De fora da Europa, encontrei um número razoável de cientistas do Japão. Esporadicamente, lá foram surgindo cientistas de outras paragens;

 

ii)                O panorama dos laureados com o Prémio Nobel da Física é idêntico ao do Prémio Nobel da Química;

 

iii)              No que diz respeito ao Prémio Nobel da Medicina, mantém-se a mesma hegemonia norte-americana, seguida de cientistas europeus ocidentais. Porém, vê-se que a África do Sul também se insere no “Quadro de Honra” deste Prémio, com dois cientistas: Max Theiler, em 1951, pelo seu contributo para o desenvolvimento de vacinas contra a febre-amarela, e Sydney Brenner, em 2002, pela investigação do fenómeno da apoptose com os nemátodos caenorhabditis elegans;

 

iv)              Nessas três áreas científicas, um pormenor importante é o facto de muitos dos laureados norte-americanos terem nascido em outros países – sejam europeus, sejam não-europeus. Em 1979, por exemplo, um dos laureados com o Prémio Nobel de Medicina, o norte-americano Allan Cormack, era natural da África do Sul.

 

  1. Não tenho quaisquer dúvidas sobre o porquê da evidente hegemonia norte-americana no domínio dessas Ciências. Dever-se-á à expressão do seu investimento em pesquisa científica, assim como ao modo como têm conseguido absorver emigrantes de qualidade, a quem proporcionam meios de trabalho e de investigação que muito dificilmente obteriam nos seus países de origem.

 

  1. Olhando também para o “Quadro de Honra” do Prémio Nobel da Economia, vejo um domínio norte-americano quase absoluto: desde 1969 – o ano em que foi atribuído o primeiro Prémio – até aos dias de hoje, de entre os 74 laureados, 50 são norte-americanos.

 

  1. Tais números evidenciam, pois, uma realidade. E ela não pode ser relativizada com considerações de ordem subjectiva ou emocional. Nessas áreas da Ciência, vemos os contributos dos estados e das nações para o desenvolvimento e, consequentemente, para a libertação progressiva da dependência humana relativamente à natureza.

 

  1. É verdade que o mundo que herdámos e o que vamos construindo é tributário de todos os povos e de todas as gerações – passadas e presentes. Mas não deixa de ser verdade que sempre houve homens e mulheres que se destacaram mais, em todos os domínios, inclusive, na Paz e na Guerra.

 

  1. Daí que um dos “Prémios Nobel” que, por norma, envolve maior emoção e desencadeia mais entusiasmo seja o Prémio Nobel da Paz. Ele procura exaltar o maior contributo individual ou colectivo para a Paz Mundial.

 

  1. Ao contrário dos anteriores, o Prémio Nobel da Paz pode, inclusive, ser atribuído a organizações e a instituições. Em 1904, ele recaiu, por exemplo, no Instituto de Direito Internacional, da Bélgica, pelo seu contributo para o desenvolvimento de temas respeitantes à salvaguarda dos direitos humanos e para a resolução pacífica de conflitos. Em 1963, quem o recebeu foi o Comité Internacional da Cruz Vermelha e a Liga Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha. Em 1977, tal honra coube à Amnistia Internacional. Em 2005, a Agência Internacional de Energia Atómica repartiu a distinção com seu responsável máximo de então, o egípcio Mohamed Elbaradai.

 

  1. O Prémio Nobel da Paz é tido como demasiado controverso, pois o conceito de Paz vem, não poucas vezes, associado ao fenómeno da Guerra, ou a diversas formas de Violência.

 

  1. A exclusão das mulheres do sistema de ensino, defendida e praticada pelos radicais islâmicos no Paquistão, e a persistência do trabalho infantil na Índia são formas de violência que perigam a Paz Social naqueles países. Foi a luta contra esses dois males sociais que fez com que a jovem paquistanesa, Malala Yousafzai, e o activista indiano, Kailash Satyarthi, fossem este ano laureados com o Prémio Nobel da Paz, merecendo aprovação quase unânime por parte da opinião pública mundial.

 

  1. Mesmo que os norte-americanos continuem ter um maior destaque também nesse “Quadro de Honra” – com muitas reticências, pelo carácter eminentemente político do Prémio – é facilmente observável que há nele uma distribuição “geográfica mais democrática”, pois, dos 128 laureados até hoje, 18 são asiáticos (contando com Israel), 10 são africanos Albert Lutuli, Desmond Tutu, Nelson Mandela, Frederik de Klerk, (da África do Sul), Kofi Annan (Ghana), Ellen Sirleaf e Leymah Ghboee (Libéria), Mohamed Elbaradai e Anwar Al Sadat (Egipto), Wangari Maathai (Quénia), 6 são latino-americanos.

 

  1. Por fim, o Prémio Nobel da Literatura, aquele que é eminentemente intelectual. Seguramente, o de mais difícil mensuração, pois envolve, sobretudo, qualidade do texto e o seu impacto social.

 

  1. Para Alfred Nobel, o Prémio da Literatura deverá ser outorgado “ao autor de qualquer nacionalidade que tenha produzido, através do campo literário, o mais magnífico trabalho em uma direcção ideal”. Com a expressão “trabalho”, ele quis significar a obra inteira do autor, seus principais livros, sua mentalidade, seu estilo e suas filosofias, não distinguindo uma obra em particular. Alguém assim soube interpretar.

 

  1. Nesta categoria, os EUA perdem a hegemonia face à Europa, mesmo que tenha celebrizado nomes como Sinclair Lewis, Pear S. Buck, William Faulkner, Ernest Hemingway ou John Steinbeck.

 

  1. Na edição de 2013, o Prémio Nobel da Literatura foi outorgado ao escritor chinês Mo Yan. Mas em anos anteriores outros autores asiáticos foram distinguidos, como o chinês Gao Xingjian, ou o japonês Kenzaburo Oe.

 

  1. Tal como a categoria da Paz, o Prémio Nobel da Literatura é “geograficamente mais democrático”. Sobretudo, nos últimos 50 anos, com a sua outorga a consagrados autores de diversas partes do mundo: Guatemala, Japão, Chile, Turquia, Colômbia, México. O nosso continente viu inscritos no Prémio Nobel da Literatura nomes como os de Wole Soyinka (Nigéria), Naguib Mahfouz (Egipto), Nadine Gordimer (África do Sul), J. M. Coetzee (África do Sul).

 

  1. Coube agora a vez de figurar na “Lista de Honra” do Prémio Nobel da Literatura ao francês Patrick Modiano que, em resumo, tem o seguinte curriculum: Grande Prémio do Romance da Academia Francesa, com o livro Les Boulevards de Ceinture, Prémio Goncourt, com o livro Rue des Boutiques Obscures, Prémio Mundial Cino Del Duca, atribuído pelo Instituto de França, Prémio Austríaco da Literatura Europeia.

 

  1. O vencedor deste ano do Prémio Nobel da Literatura não é, pois, um ilustre desconhecido. Nem acredito que tenha ganho tal Prémio pelo simples facto de ser um “homem branco”, como, infelizmente, li algures nas redes sociais.

 

  1. Espero que algum dia chegue a vez de o Prémio Nobel da Literatura ser entregue ao escritor queniano Ngugi wa Thiong’o, pois tem mérito para o receber. Seria, porém, desonroso para ele e para a condição humana, se, alguma vez, o Prémio lhe fosse outorgado apenas na condição de “escritor negro”, para assim “equilibrar” o “Quadro de Honra”…

 

  1. Nessa altura, eu teria legitimidade para manifestar, por escrito, o meu protesto ao Comité Nobel, por terem, afinal, praticado aquilo que posso chamar de “racismo ao contrário…”, como, infelizmente, ainda há quem não queira reconhecer…

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