terça-feira, 13 de novembro de 2012

A RAÇA É UMA CIRCUNSTÂNCIA NÃO ESCOLHIDA


  1. Nem sempre a opinião dos políticos é a que melhor se presta para o nosso entendimento sobre determinados fenómenos políticos. Por vezes, vale a pena ouvir o que nos têm a dizer pessoas para quem a política passa um pouco ao lado. Ou seja, pessoas que dão mais valor a outras dimensões da vida do que propriamente à política.

 

  1. Eu provenho de uma família com alguma tradição na política e, também, com o gosto pela intervenção cívica. Muitos dos meus antepassados estiveram presentes nos momentos cruciais da nossa vida pública, quer como protagonistas directos, quer como peças importantes dessa engrenagem. Daí que a política e a intervenção cívica nos esteja impregnada no ADN, como se de marca genética se tratasse. 

 

  1. Várias vezes me vejo a rememorar o ambiente nacionalista em que cresci, da tensão permanente em que decorreu grande parte da minha vida. É por isso que digo que estive sempre assente sobre o fio da navalha…

 

  1. Não me arrependo da maioria dos passos que dei, embora reconheça que terei, seguramente, contribuído para que alguns dos que me rodearam tenham conhecido dissabores e experimentado revezes, por factos de que não tiveram responsabilidade directa. Acredito que a minha mãe foi a mais prejudicada, pelo que guardo dela uma memória muito querida e inestimável.

 

  1. Foi da minha mãe que recebi os maiores ensinamentos e o cultivo de determinados valores. Ela cumpriu, na perfeição, o seu papel de mãe e o do pai que perdi na infância. No essencial, creio que não a terei desiludido. Em certa medida, e em várias dimensões, sou uma das suas cópias. Aliás, todos nós, os seus filhos somos, ou fomos, reproduções, mesmo que inacabadas, da sua personalidade.

 

  1. Agora, depois de todo o percurso de vida que fiz, começo também a observar os resultados da educação que propiciei aos meus filhos. Fi-lo não na expectativa de eles serem uma reprodução do que eu sou. Mas, vejo já neles um forte apego à justiça e à liberdade. Sinto-me, pois, recompensado, e com a sensação de que valeu a pena.

 

  1. Todos os meus filhos possuem personalidades distintas, embora lhes note muitas características comuns. Uma delas é a liberdade de pensar. Outra é a noção de que a solidariedade é um elemento essencial para a harmonia na sociedade.

 

  1. Sou de uma geração que viveu uma juventude muito marcada pelo drama do período pós-guerra mundial, pela luta pela emancipação dos povos colonizados, pelos desejos de maior justiça social exigidos pelos sectores mais frágeis. Daí que, em certa medida, muitos de nós tenhamos aderido a propostas políticas baseados na igualdade e na não discriminação.

 

  1. Constato com certa amargura que, em nome desses justos desígnios de igualdade e de não discriminação se edificaram sociedades que, na prática, vieram a mostrar-se precisamente o contrário. Desenvolveram-se sociedades de opressão, de discriminação, de uma exploração demasiado encapotada e egoísta. Os seus autores frustraram, pois, as expectativas da maioria, deixando a arrastarem-se pelo caminho muitos dos que os seguiram de boa-fé.

 

  1. É verdade que podemos escolher a profissão a seguir, a religião a professar, inclusivamente, transitar de classe social, pelo esforço e vontade de progredir. Também é verdade que não podemos ser nós próprios a definir os pais que teremos, o local e o país onde nascermos, a raça humana a que pertencemos. Esses são factos imponderáveis, que escapam aos nossos desígnios.

 

  1. A raça, por exemplo, tem uma carga muito forte na vida de uma pessoa e pode até condicionar o futuro de cada um de nós. Por exemplo, na sociedade americana da minha juventude, a luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos era uma tónica desses tempos. Foi isso que me levou a seguir, atento, o percurso de vida do Doutor Martin Luther King, Jr., ou de Malcolm X.

 

  1. A minha geração conheceu alguns dos dramas dos negros norte-americanos do Alabama, do Mississípi, da Geórgia. Sabíamos, igualmente, das epopeias vividas pelos trabalhadores da indústria automóvel de Detroit, no Estado norte-americano de Michigan. Os blues, o jazz que nos chegava de longe, da cidade de Nova Orleães, ajudaram a moldar a nossa sensibilidade e a alimentar a nossa alma. Com o passar do tempo, todo o mundo evoluiu.

 

  1. Vivemos hoje uma realidade bem distinta, que eu não me atrevo a qualificar como “melhor” ou “pior”. É apenas diferente. Qualitativamente diferente. Temos já outros actores e outros protagonistas. Um deles é Barack Obama, o Presidente dos Estados Unidos da América, um dos homens mais importantes deste século que ainda há pouco começou.

 

  1. Barack Obama já faz parte da história dos Estados Unidos da América, e por vários motivos, sendo o principal o facto de ter sido o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos da América. É-o passados mais de duzentos anos da sua fundação e mais de quinhentos anos desde que o território passou a ser colonizado pelos brancos que para lá levaram os negros como escravos.

 

  1. As mais dolorosas feridas dessa época ainda não estão completamente saradas, porque foram muito profundas. Mas há quem faça o possível por as ajudar a curar. Um deles, indubitavelmente, é Barack Obama, filho de um negro africano do Quénia, com uma mulher branca descendente de irlandeses.

 

  1. É assim que se fez a América, com o contributo de muitos, todos eles, mesmo que remotamente, idos de fora, como os antepassados de Barack Obama – com excepção dos índios.

 

  1. Hoje, ao ouvir o discurso de vitória de Barack Obama, por causa da sua reeleição, lembrei-me do discurso que ele fez em 2008 quando, pela primeira vez, ganhou a condição de Presidente dos Estados Unidos da América. Nesse discurso Barack Obama saudou a inauguração de uma nova era na América, uma América que acabara de eleger alguém imprevisível, improvável, se tivermos em conta os parâmetros dos tempos passados.

 

  1. Barack Obama vem de uma minoria – é filho de um estrangeiro. Não é propriamente o descendente de escravos que atingira o poder máximo no país mais poderoso do mundo. É o filho de um africano que para lá fora estudar, deixando a germinar a sua semente. Mas, sendo ele americano, ganhou todos os direitos inerentes.

 

  1. Ouvi o discurso de vitória de Barack Obama sentado ao lado do meu filho “Pinto”, ele, Justino como eu. Apreciei a atenção com que o “Pinto” acompanhava o discurso – ele que, dos meus filhos, é o mais afastado da política.

 

  1. Fiquei orgulhoso pelo modo como o “Pinto” resumiu para o discurso de Barack Obama. E fez nos seguintes termos: “Em 2008, fez todo sentido Barack Obama fazer um discurso de exaltação ao percurso da América até chegar ao ponto em que estamos hoje. Desta vez, acabou por fazer o discurso de cidadão americano que tem apenas um projecto de vida para todos. Por isso, desvalorizou a questão da raça – o que é bom para a cidadania”.

 

  1. Olhei, então, para o meu filho “Pinto”, reconhecendo-me profundamente nele. Tal como eu me reconheço nos ensinamentos dos meus progenitores, que sempre disseram que “A raça é uma mera circunstância não escolhida…”. É esta também a lição que os americanos e o mundo estão a recolher de Barack Obama.

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