sexta-feira, 23 de novembro de 2012

UMA QUESTÃO DE DIMENSÕES HISTÓRICAS


  1. A Liga Africana, herdeira do património histórico da Liga Nacional Africana, decidiu inserir no âmbito dos actos comemorativos de mais um aniversário – o sexto – uma singela homenagem a algumas figuras naturais do Kwanza Norte. Entre outras actividades, a Liga Africana destacou a cerimónia de apresentação de cumprimentos ao Governador da Província, Henrique André Júnior, uma visita ao Golungo Alto, Missa na Igreja de Ndalatando, e a Inauguração de uma Lápide no jardim da Cidade de Ndalatando.

 

  1. Infelizmente, o programa estabelecido pela Liga Africana não foi cumprido na íntegra, uma vez que o Governador da Província não se fez presente, tendo, segundo se soube, designado um Vice-governador para o representar. Este último também primou pela ausência e a Província do Kwanza Norte só conseguiu apresentar como seu rosto oficial o Director Provincial de um órgão sectorial. Ficou assim diminuído o impacto simbólico da homenagem aos ilustres filhos da terra. Além disso, a delegação da Liga Africana viu-se impedida de inaugurar a Lápide invocadora dos homenageados, por estranhas razões.

 

  1. Antes de mais, quero referenciar as figuras naturais do Kwanza Norte que mereceram a homenagem da Liga Africana: Augusto Silvério Ferreira, Rodrigo Teles Pereira Bravo, Mariano Pereira Bravo, Amílcar Carreira, Abel Correia Víctor, Gervásio Ferreira Viana, Cónego Manuel das Neves, Manuel Ramos da Cruz, Joaquim Pinto de Andrade, Mário Pinto de Andrade - todos eles já falecidos, e, portanto, de quem apenas resta a memória.

 

  1. Não estou em condições de falar pormenorizadamente sobre os perfis individuais dos homenageados, mas tenho a certeza que, se o fizesse, estaria a contribuír um pouco mais para o esclarecimento do percurso nacionalista do nosso povo em geral, e dos naturais do Kwanza Norte em particular.

 

  1. Ao preparar e prestar essa homenagem, a Liga Africana mostrou ser uma digna continuadora do respeito pela angolanidade que norteou a Liga Nacional Africana que a antecedeu.

 

  1. A Liga Nacional Africana foi criada, em Luanda, a 17 de Junho de 1930, e legalizada a 29 de Julho de 1930. Ela tornou-se herdeira dos ideais de uma outra agremiação africana, a “Liga Africana”, surgida em Lisboa no início da década de 20. Por sua vez, essa “Liga Africana” terá sido influenciada pela “Junta de Defesa dos Direitos de África”, fundada em 1912 (já vão, pois, 100 anos), por estudantes angolanos, cabo-verdianos e santomenses residentes em Lisboa.

 

  1. A Liga Nacional Africana é justamente tida como um dos ramos do nacionalismo angolano. Segundo o médico e nacionalista Edmundo Rocha, o seu propósito – tido como utópico – era o de congregar os africanos em acções estritamente culturais, desportivas e recreativas, independentemente do seu local de origem – diz-se mesmo que seriam os africanos do Cairo ao Cabo.

 

  1. Historicamente, são reconhecidos como Fundadores do Liga Nacional Africana as seguintes personalidades: Gervásio Ferreira Viana, que teve a iniciativa da constituição desta agremiação, José Cristino Pinto de Andrade, Manuel Inácio Torres Vieira Dias, Sebastião José da Costa, António de Assis Júnior, José Vieira Dias, Fernando Torres Vieira Dias, Lucrécio Africano de Carvalho e Aurélio Neves.

 

  1. Os homenageados pela Liga Africana são uma plêiade de homens grandes naturais do Kwanza Norte que deixaram os seus nomes gravados na história de Angola, e por diversas razões. A maior parte, senão mesmo todos, são homens que se distinguiram nas letras, na cultura e na defesa intransigente dos direitos do nosso povo. Não mereciam, pois, ter sido menosprezados por gente que não sabe valorizar devidamente o seu papel histórico e o contributo que deram à dignificação do homem angolano.

 

  1. Por exemplo, Augusto Silvério Ferreira, juntamente com António José do Nascimento, Pascoal José Martins, Francisco das Necessidades Castelbranco, Mário Castanheira Nunes, Carlos Saturnino, Carlos Botelho de Vasconcelos, José Carlos de Oliveira Nunes, Eusébio Velasco Galiano Júnior, João de Almeida Campos, Apolinário Van Dúnem, Pedro de Paixão Franco, Vieira Lopes, Francisco Taveira, Ernesto Santos, Jorge Rosa e Lourenço do Carmo Ferreira, constituíram a chamada “Geração de 1896”. Eram eles jovens intelectuais angolanos, muitos dos quais integrantes da famosa colectânea intitulada “A Voz de Angola Clamando no Deserto”, publicada em Lisboa, em 1901.

 

 

  1. Augusto Silvério Ferreira, Pedro da Paixão Franco, Francisco Castelbranco e Velasco Galiano fundaram, em 1907, o jornal “O Angolense”.

 

  1. A obra desses homens orienta e estimula os princípios que, depois, vieram a nortear a acção das sucessivas gerações de intelectuais e nacionalistas angolanos, com destaque para a “Geração da Mensagem”, de que se deve destacar o seu ideólogo e fundador do movimento “Vamos Descobrir Angola”, o poeta Viriato da Cruz, um homem do Kwanza Sul – mais concretamente, de Porto Amboim.

 

  1. Em 1948, Viriato da Cruz caracterizava assim os objectivos do movimento cultural “Vamos Descobrir Angola”: “Queremos reavivar o espírito combatente dos escritores africanos dos fins do século XIX, de Fontes [José Fontes Pereira] e dos homens que compuseram ‘A Voz de Angola Clamando no Deserto’ ” E continua Viriato da Cruz dizendo que ela constitui “uma resposta anti-racista à campanha verrinosa contra os ‘Filhos do País’ levada a cabo pelo jornal ‘Gazeta de Loanda’.

 

  1. Para Mário Pinto de Andrade, ilustre filho do Kwanza Norte que viu também negado o direito a ter o seu nome e na Lápide de Ndalatando, “A Voz da Angola Clamando no Deserto” era “a génese do escrito protestatário” com “correntes de formação de uma consciência nativista – a dos ‘Filhos do País’ – que exprimiam, através do ‘nativismo’ o sentimento colectivo de serem portadores de valores próprios.”

 

  1. O Cónego Manuel das Neves, nascido a 25 de Janeiro de 1896, no Golungo Alto, é um dos mais reputados defensores do nacionalismo angolano. A ele se deve esta célebre frase, deixada como testemunho por Joaquim Pinto de Andrade, outro reputado intelectual e nacionalista cujo nome não pode também, afinal, figurar num jardim de Ndalatando: “Meu filho, é preciso um grande sobressalto nacional, é preciso organizar um levantamento, um acto espectacular que faça a ruptura com o passado”.

 

  1. Depois do início da luta armada no norte de Angola, em 15 de Março de 1961, o Cónego Manuel das Neves foi preso pela PIDE e deportado para Portugal, juntamente com mais cinco sacerdotes africanos. Acusado de ser um dos principais “dirigentes terroristas”, acabou por morrer, aos 70 anos de idade, em 11 de Dezembro de 1966, em Portugal, no Noviciado dos Padres Jesuítas, em Soutelo.

 

  1. Por tudo quanto fizeram por Angola, Augusto Silvério Ferreira, Rodrigo Teles Pereira Bravo, Mariano Pereira Bravo, Amílcar Carreira, Abel Correia Víctor, Gervásio Ferreira Viana, o Cónego Manuel das Neves, Manuel Ramos da Cruz, Joaquim Pinto de Andrade, Mário Pinto de Andrade, merecem muito mais do que uma Lápide em Ndalatando…

 

  1. Mas, aqueles que se escusaram a receber a delegação da Liga Africana na cidade de Ndalatando, talvez tenham feito bem em escapulir-se, devido à grandiosidade intelectual e ao contributo histórico dos homenageados… Podem, afinal, ter percebido que havia ali uma clara questão de dimensões históricas.

2 comentários:

  1. Errata:
    Rodrigo Teles Pereira Bravo da Rosa

    Manuel Correia Victor e não Abel Correia Victor

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  2. Esses grandes nacionalistas que estao na memoria dos seus filhos da terra que jamais lhes reconhece a dignidade de valentes homens
    Que vergonha neste mundo

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