sexta-feira, 23 de novembro de 2012

VELHOS PROBLEMAS QUE REQUEREM NOVAS SOLUÇÕES


  1. As notícias que nos chegam da República Democrática do Congo são, de facto, alarmantes. Elas dizem que as forças armadas governamentais se retiraram da cidade de Goma – a capital da Província do Kivu Norte – onde estão ser perpetradas atrocidades contra a população civil, inclusive, contra crianças, sem que as forças das Nações Unidas lá estacionadas façam algo para conter o avanço rebelde e parar a carnificina.

 

  1. Aparentemente, a degradação da situação politica naquela região da RDC, e dos Grandes Lagos, deveu-se à constituição de um grupo rebelde denominado M23, que é integrado, sobretudo, por desertores do exército governamental. Eles que acusam o governo do Presidente Kabila de incumprimento dos acordos firmados depois do fim do último conflito militar que terminou em 2008.

 

  1. Sabe-se, porém, que a composição étnica do M23 é maioritariamente tutsi, o grupo que possui um forte controlo sobre o poder no Ruanda e no Uganda, países que se diz serem o seu principal suporte político e militar.

 

  1. Com este novo cenário, estamos, pois, a reviver pelo menos os contornos do velho drama da Região dos Grandes Lagos, ele que tem sido o palco privilegiado de constantes turbulências, por regra, terminando em chacinas e genocídios.

 

  1. A Região dos Grandes Lagos é um espelho da arbitrariedade que presidiu ao processo de constituição e criação da grande maioria dos países africanos, com estados feitos com base no mais puro interesse imediato das potências colonizadoras. Nessa região central e oriental de África prevaleceram, sobretudo, como potências coloniais a Inglaterra, que colonizou a Tanzânia e o Uganda, e a Bélgica, que colonizou a RDC, Ruanda e Burundi.

 

  1. A Conferência de Berlim de 1885 permitiu a demarcação de fronteiras sem qualquer obediência às divisões territoriais, políticas e culturais tradicionais das populações locais, fazendo com que inúmeras tribos de culturas diferentes se vissem confinadas dentro dos novos espaços coloniais. Fizeram-se países que possuem todos os ingredientes típicos de uma bomba com retardador…

 

  1. Os Reinos do Ruanda e do Burundi tornaram-se possessões alemãs que os governaram de forma indirecta mas em conjunto. Até que, fruto da derrota alemã no término da Primeira Guerra Mundial, passaram para a alçada do Reino da Bélgica. Os belgas também optaram por um controlo indirecto desses territórios, mas apoiando sempre o poder da minoria tutsi, quer num território, quer no outro. Relegando os hutus para um plano secundário, deixaram aceso o rastilho para uma explosão futura.

 

  1. A colonização pelos belgas do território da RDC começou logo depois do término da Conferência de Berlim, com a constituição do Estado Livre do Congo que, poucos anos depois, foi anexado com a designação de Congo Belga.

 

  1. O vasto território do Congo Belga incorporava cerca de 200 grupos com grande diversidade cultural, linguística, política e religiosa. Trata-se também de um país extremamente rico em recursos naturais, minerais e hídricos, e com uma fauna e flora abundantes.

 

  1. Aos velhos conflitos decorrentes da colonização sucederam-se novos conflitos na Região dos Grandes Lagos, sendo o de pior memória o que ocorreu em 1994, e que culminou com o genocídio do Ruanda que terá custado a vida a milhares de homens e mulheres.

 

  1. O conflito de 1994 produziu um enorme fluxo de refugiados quer para um lado, quer para o outro; quer para o Ruanda, quer para a RDC, mas, também, para o Uganda e até mesmo para a Tanzânia.

 

  1. A comunidade internacional mostrou-se incompetente para evitar a tragédia. Foram constituídos na RDC, especialmente nos territórios do Leste, Kivu Norte e Kivu Sul, campos para receber refugiados vindos do Ruanda, para onde também se dirigiram antigos militares do derrotado governo ruandês, assim como das tristemente famosas milícias Interahamwe, os principais responsáveis pelo genocídio. No território congolês, organizaram-se política e militarmente, passando a fazer incursões para dentro do território do Ruanda. Esta internacionalizando do conflito deu-lhe também uma dimensão regional, e o surgimento de novos actores, até aí aparentemente adormecidos: os chamados banyamulengues, os tutsis da RDC.

 

  1. O conflito da Zona Leste da RDC tem uma dimensão étnica, embora também possa ser visto como a ambição de países superpovoados, como o Ruanda, estarem a procura de expandir as suas fronteiras ganhando espaço vital. Tem igualmente a ver com a procura de recursos minerais de grande procura internacional como, por exemplo, o diamante, o ouro ou o cobalto.

 

  1. Mesmo com todos os acordos subsequentes, o conflito no Kivu Norte prossegue, e não é de espantar se, dentro de breve tempo, ouvirmos dizer que o Kivu Sul também passou a soltar labaredas… Tudo aponta para aí. O destino dessas duas regiões está indissoluvelmente ligado.

 

  1. O futuro da geografia política da RDC é uma das grandes incógnitas africanas. Trata-se de um país central, não apenas pela sua localização geográfica, também pela sua extensão e, sobretudo, pela sua complexidade.

 

  1. O desenvolvimento da RDC vai-se adiando para cada vez mais tarde e, quer queiramos, quer não, o futuro do nosso continente está, de certo modo, ligado aos desenvolvimentos que a RDC tiver.

 

  1. Uma coisa é certa: a RDC e a Região dos Grandes Lagos reeditam, afinal, velhos problemas. São velhos problemas que exigem novas soluções, soluções mais apropriadas aos tempos que correm.

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