A TRIBO DO FUTEBOL NUM MUNDO CADA VEZ MAIS INCERTO
- Durante os próximos
dias – seguramente, um mês – as atenções mundiais estarão sobretudo
viradas para o desenrolar da Copa do Mundo a decorrer no Brasil. Isso remeterá
para segundo plano toda uma série de questões demasiado importantes para a
paz internacional.
- Somente os políticos
engajados com grandes responsabilidades internacionais não terão muito
tempo para acompanhar esse acontecimento de grande vulto, ficando mais atentos
a outras dimensões da vida, como, por exemplo, o presente evoluir da União
Europeia, depois da entrada no Parlamento Europeu de forças políticas
contrárias ao actual modelo de integração; seguirão também os rumos da
Ucrânia, envolvida num conflito interno e com a Rússia, conflitos de
consequências imprevisíveis; e, já agora, a degradação da situação política
e militar no Iraque, com forças rebeldes a avançarem de modo quase
imparável para a tomada do poder, ou, pelo menos, para a ocupação de vastas
áreas do seu território. O povo em geral manter-se-á, quase sempre, mais
colado à componente desportiva da actualidade mundial, a Copa do Brasil.
- Não me vou
pronunciar sobre a Copa do Brasil. Ela só agora vai começar. Mas eu, sendo
uma parte do povo em geral, também acompanharei, pela televisão, o seu
desenrolar, sem, contudo, perder de vista o que acontece mundo afora, com
especial relevo, para os acontecimentos a que fiz referência, que terão,
seguramente, enorme influência na geopolítica dos próximos tempos.
- Adivinham-se, pois,
tempos muito duros. Eles irão exigir dos principais actores internacionais
uma atenção redobrada. Caso se distraiam com a Copa do Brasil, o mundo
pode resvalar para uma espiral de violência ainda maior do que aquela de
que temos sido testemunhas.
- Por exemplo, a
ascensão política de formações de extrema-direita na Europa constitui, como
é lógico, forte motivo de preocupação, pois o que o mundo necessita hoje é
de ampliar o quadro das liberdades democráticas. A extrema-direita é,
seguramente, um mau parceiro político nessa grandiosa batalha.
- A extrema-direita é
passadista, ela vê o mundo de uma forma bastante desfocada. Por natureza, a
extrema-direita é anti-democrática, xenófoba, nacionalista, racista, pugnando
invariavelmente pela consolidação de um estado forte e, essencialmente,
repressor. Por isso, a extrema-direita é um mal a extirpar. Mas, a
democracia dá-lhe espaço, mesmo que ela queira terminar com a democracia.
- O actual projecto
europeu tem precisamente outros contornos. Ele foi moldado num quadro de
participação democrática; bate-se pelos princípios da inclusão; procura
tendencialmente abolir todo o tipo de fronteiras dos estados, valorizando,
porém, as diferentes identidades nacionais. Uma outra das suas características
mais marcantes é a da transferência de determinadas prerrogativas dos
estados nacionais para o centro. Afinal, esta última é uma das matérias
que mais desafina os desejados alinhamentos políticos no seio da Europa e
geradora das maiores reticências entre os seus cidadãos. Mesmo até entre
os políticos ligados à social-democracia europeia e os da chamada direita
democrática.
- A entrada da
extrema-direita no Parlamento Europeu e o seu crescente peso nalguns dos
países mais poderosos e emblemáticos poderá, a prazo, ter também enorme
influência no relacionamento desse continente com o nosso, parceiros
seculares de uma história que não foi muito boa.
- Teremos, pois, que
ficar atentos a esse desenvolvimento, pois o eventual estilhaçar do actual
modelo europeu, por pressão da extrema-direita, atirará contra nós muitos
dos projécteis que poderão pôr em risco a nossa estabilidade, sendo nós
continentes vizinhos e ligados pelo cordão umbilical da história.
- Por sua vez, a
tensão política – e, agora, militar – no interior da Ucrânia e o seu mau
relacionamento com o gigante vizinho, a Rússia, são outro motivo de enorme
preocupação para o mundo. Daí poderá desencadear-se um conflito de
dimensões incalculáveis.
- Felizmente, os dados
mais recentes apontam já para um relativo desanuviamento entre os dois
países, e busca-se um entendimento que possibilite a resolução de algumas
das suas dissenções. Mas, um eventual desmembramento da Ucrânia teria
repercussões nefastas na actual geografia política daquela parte do mundo,
arrastando, pela certa, outros povos e países para a fragmentação.
- A ideia de uma
Europa unida foi o grande desígnio dos pais-fundadores do projecto
europeu, que visionaram um espaço sem fronteiras inexpugnáveis, com os
seus povos a viverem em concórdia, salvaguardadas as suas diferenças e
particularidades e, sobretudo, sem guerras destruidoras. Visionaram,
também, uma potência económica capaz de enfrentar o gigante americano e os
emergentes gigantes asiáticos. Contudo, a Rússia vai funcionando, afinal,
como um autêntico tampão ao alargamento da Europa.
- E, por fim, de novo
o Iraque. Está a ficar bem visível a fragilidade do poder instituído sobre
os escombros do regime do Saddam Hussein. A primeira lição a tirar dos
recentes desenvolvimentos naquele país – onde forças rebeldes,
essencialmente sunitas, fazem já avanços para a capital do país. Neste
país, as contradições religiosas no seio do poder islâmico, entre sunitas
e xiitas, são mais fortes do que, por vezes, muitas contradições de
carácter étnico ou rácico.
- Para compreendermos
o conflito que dilacera o Iraque teremos, necessariamente, que estudar a
sua composição religiosa mas, igualmente, a dos países limítrofes. Sem o
seu entendimento, perde-se a perspectiva do conflito e pode-se embarcar em
visões meramente simplistas.
- Adivinho, pois,
momentos muito difíceis para aquela região do mundo que, pela certa, não
encontrará a verdadeira paz, enquanto o poder político em cada um dos
países tiver como substrato a afinidade religiosa, mesmo que dentro do
próprio islamismo. Ser islâmico não é, pois, sinónimo de coesão, como se
pode ver. Poderá até gerar alguma unidade contra terceiros – mas nunca no
seu interior.
- No meio deste males,
só nos resta, afinal, a tribo do futebol… Ela que consegue envolver todos
num único abraço, num mundo cada vez mais incerto e perigoso.
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