quinta-feira, 26 de junho de 2014

A COMPLEXIDADE DO PROBLEMA CURDO


1.  Na parte final da minha última crónica, intencionalmente, inseri o seguinte parágrafo:Uma eventual divisão do Iraque a partir dos seus ramos religiosos criaria, naturalmente, outros problemas para o seu futuro, e para o futuro dos restantes Estados da região, sendo o maior de entre eles, o dos curdos que ainda não abdicaram da constituição do seu próprio Estado, a partir dos territórios que ocupam no Iraque, na Síria, no Irão, na Turquia, e até mesmo em algumas das ex-repúblicas soviéticas da Ásia.”

 

2.   Com essa frase, quis apenas dar início à abordagem de um outro problema de grande complexidade na geopolítica daquela região do Médio Oriente. Pretendi, pois, dizer que não basta ver a conflitualidade do Médio Oriente apenas na perspectiva religiosa, numa lógica de disputa entre judeus e muçulmanos, ou nas fracturas dentro do próprio campo muçulmano – colocando de um lado, xiitas e, do outro, sunitas – mas, também, por vezes, numa perspectiva profundamente étnica, como é o caso do Curdistão, com os seus contornos muitos específicos.

 

3.  A criação do Estado independente do Curdistão é um desígnio que jamais deixou de alimentar os sonhos da maioria dos curdos. Este é um facto com condimentos políticos capazes de baralhar ainda mais o já complicado Médio Oriente.

 

4.  O problema dos curdos consegue mesmo unir facções políticas, em diversos Estados que, de outro modo, se comportariam tão-somente como “inimigos de morte”. O pretenso Estado do Curdistão funcionará, assim, como um verdadeiro “Rubicão” na geopolítica do Médio Oriente.

 

5.  O Curdistão é uma entidade geopolítica sem características de Estado. Nunca foi possível criar um Estado a partir do território reivindicado pelos curdos, tidos como a maior etnia do mundo sem Estado.

 

6.  Supõe-se haver cerca de 30 milhões de curdos distribuídos pelos países que já citei, para além daqueles que habitam na Europa – em especial, na Alemanha – e a grande diáspora concentrada nos Estados Unidos. Porém, a maior aglomeração de curdos no Médio Oriente localiza-se na Turquia, país onde possuem uma influente organização política com um passado histórico de guerrilha – o Partido dos Trabalhadores do Kurdistão, PKK.

 

7.  Estranhamente, o PKK, a maior força política (e militar) do povo curdo, tem alguma cobertura do governo sírio, embora a Síria albergue também uma comunidade curda, a maior minoria étnica do país. Os curdos da Síria, tal como a maioria dos outros dividem-se entre duas opções: os que defendem uma ampla autonomia dentro do território sírio, tal como sucede aos curdos dentro do Iraque, e os que são apologistas da criação de um Estado independente no espaço que, historicamente, pertence ao Curdistão.

 

8.  A actual guerra civil prevalecente na Síria fez com que o Estado tenha perdido capacidade para manter um completo domínio sobre os curdos que, na realidade, já vão administrando directamente as suas vidas, mesmo que sem consagração constitucional.

 

9.  Os curdos iraquianos são os que possuem mais autonomia. Na realidade, vivem praticamente em regime de independência de facto. A queda do regime de Saddam Hussein, e as consequentes alterações políticas que se verificaram levaram à definição de uma nova Constituição que consagrou a criação de uma entidade federal no território habitado pelos curdos iraquianos, um modo de governação que tem o beneplácito que tem o beneplácito das Nações Unidas. Fruto, em grande medida, das riquezas naturais da região – rica em petróleo – o Curdistão Iraquiano exibe o mais elevado padrão de vida do país.

 

10.                O Curdistão Iraniano é um caso muito especial neste complexo problema. Por um lado, o chamado Curdistão Iraniano é somente uma parte minoritária do território habitado pelos curdos nesse país. Por outro lado, os curdos iranianos são maioritariamente sunitas e os curdos iranianos que são xiitas não manifestam qualquer interesse por uma maior autonomia. Penso que isso se deve ao facto de o governo iraniano ser esmagadoramente dominado por xiitas. Quer dizer então dizer que, nesta posição, a componente religiosa prevalece sobre a componente étnica.

 

11.                A maior repressão sobre os curdos tem hoje lugar no território da Turquia, cujo governo ainda não reconhece a identidade cultural do povo curdo.

 

12.                A Turquia é um candidato a membro da União Europeia, pela sua dupla inserção – país essencialmente asiático, mas com uma parte do seu território pertencente à Europa. Uma das reticências europeias à aceitação da Turquia no seu seio é a questão curda. É uma das mas não a única.

 

13.                A existência da região autónoma curda no Iraque constitui já uma enorme preocupação para o governo turco, uma vez que, por vezes, a guerrilha curda da Turquia encontra nesse território uma espécie de “santuário”, depois da realização das suas incursões. De momento, essa é zona de maior tensão em todo o espaço reclamado como Curdistão.

 

14.                 Cada um na sua dimensão, todos os países daquela região têm, pois, um problema curdo para resolver. Todos temem, porém, que, evoluindo primeiramente para regiões autónomas dentro dos seus territórios, os curdos possam vir, no futuro, a pretender evoluir para a reivindicação de um Estado Único.

 

15.                Há quem diga que a emergência de um Estado Curdo Único criaria um novo equilíbrio no Médio Oriente. Ele poderia transforma-se, a prazo, num dos Estados mais poderosos da região, por causa do seu enorme potencial de riqueza natural, em especial, petróleo. Não é, pois, por acaso que a Região Autónoma Curda do Iraque já é a mais rica e com maior padrão de vida do país.

 

16.                Ficaria ainda por dar solução a um problema: tal Estado resultante da junção de partes vindas de outros convívios e de outras vivências, cada uma com as suas especificidades, a determinada altura, poderia conhecer conflitos, eventualmente inconciliáveis. Nada disso me espanta.

1 comentário:

  1. Que coincidencia?! A minha esposa tem uma amiga (Alex Maxwell) ca em Londres que perdeu o marido, o irmao e a cunhada no Norte do Iraque em Marco de 1991. Nick Della Casa era irmao da amiga da minha esposa. Nick era um jornalista freelance que pertencia a agencia independente de noticias Frontline. Ele e Charles Maxwell (esposo da Alex) e a esposa do Nick, Rosana Della Casa entraram no Norte do Iraque, via Turquia, para fazerem filmagens independentes acerca da revolta dos Curdos contra Saddam Hussein no Norte do Iraque. Durante uma discussao entre Nick e um dos traficantes do PKK que os faziam entrar no Iraque, Nick e Charles foram mortos pelos mesmos traficantes do PKK. Rosana assistiu a tudo e fugiu e nunca mais se soube dela. Os restos morais de Nick Della Casa e do seu cunhado Charles Maxwell foram recuperados, mas de Rosana ate hoje nao se sabe nada. Supoe-se morta pelos mesmos traficantes, que nunca o admitiram. O problema e que segundo testemunhas, Rosana tera sido morta por Comandos do Exercito Turco que perseguiam os gerrilheiros do PKK, mas estes nunca admitiram isso. O ex-Primeiro Ministro Britanico John Major exerceu alguma pressao sobre o Governo turco para investigarem o paradeiro de Rosana Della Casa, mas ate hoje nada se sabe sobre o que aconteceu com ela. Resultado: num dia esta amiga da minha esposa, e minha tambem, perdeu o marido Charles Maxwell, o irmao, Nick Della Casa e a cunhada, Rosana Della Casa. A coincidencia a que me refiro no inicio e que ha uns dias atras e antes de ler esta cronica, estive precisamente a explicar a minha esposa sobre o sonho do Grande Curdistao. Os envolvidos, por onde estao espalhados os Curdos, o facto de serem um Povo sem Estado (legalmente), o problema deste califado agora criado pelos homeans do Abu Bakr Al-Baghdadi, etc. E realmente uma coincidencia eu ter falado com a minha esposa sobre este assunto e agora venho aqui e leio esta cronica, que e quase uma copia do que eu estive a explicar a minha esposa. Transmissao de pensamentos?! Por; Mig Pinto de Andrade

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