1. Nos últimos dias, as atenções mundiais viraram-se para
a Ucrânia, tendo-se logo de seguida centrado mais na disputa feroz que opõe, na
Península da Crimeia, as novas autoridades ucranianas ao poder instalado na
Rússia.
2. Com isso, relegou-se para um plano secundário quer os
desenvolvimentos da guerra na Síria, o impasse nas conversações tendentes a pôr
termo ao conflito israelo-palestiniano, ou mesmo a degradação da situação em determinados
países africanos, com maior acento na República Centro-Africana. A Ucrânia e a
Crimeia concentram sobre si todos os holofotes. E é deles que aqui e agora me
proponho abordar.
3. Fisicamente, a Península da Crimeia é uma continuação do
território da Ucrânia, a quem se liga pelo chamado Istmo de Perekop. Está
estrategicamente localizada no Mar Negro, dando, pelo Estreito de Kerch, igualmente
acesso Mar de Azov. Pelo Estreito de Kerch tem-se acesso à Península de Taman, esta
já em território russo.
4. O contacto com a história remota – e mesmo a história
mais recente da Península da Crimeia – mostra-nos o quanto ela tem sido
importante na geo-estratégia daquela parte do mundo, muito próxima do Mediterrâneo.
A Península da Crimeia foi disputada por gregos, romanos, pelo Império
Bizantino, pelos Mongóis, pelos russos, também pelas principais potências
europeias. A história da Península da Crimeia está, por isso, demasiado marcada
por invasões, por anexações, desanexações e, para cúmulo, por deportações massivas
de partes das suas populações.
5. Essa mistura de dramas tem uma grande quota de
responsabilidade no actual quadro demográfico da Península da Crimeia, onde
coabitam populações etnicamente identificadas com a Rússia, com a Ucrânia, com
a Bielo-Rússia, com a Turquia, com a Arménia.
6. Em 1944, Joseph Stalin promoveu a deportação em massa
da população tártara de Crimeia, estimando-se que apenas metade deles tenha
sobrevivido às agruras que lhe foram impostas. Em contrapartida, Stalin
estimulou o povoamento do território da Crimeia por cidadãos russos. Os
tártaros só puderam regressar após a queda do Império Soviético – ficando,
assim, em minoria face aos russos.
7. Até 1954,
a Crimeia esteve anexada à República Socialista
Soviética da Rússia, altura em que foi devolvida à República Socialista
Soviética da Ucrânia, por determinação de Khruschov.
8. O Fim da União Soviética permitiu que a Crimeia se
assumisse inicialmente como um República independente, optando, de seguida, por
se tornar uma região semi-autónoma dentro da Ucrânia, com o seu próprio corpo
legislativo, um poder executivo, com a justiça, porém, a depender directamente
do poder central ucraniano.
9. A presença da Frota Russa do Mar Negro em Sebastopol,
aliada à enorme percentagem de cidadãos etnicamente russos, condiciona o actual
quadro político-militar na Península da Crimeia, tornando-o favorável aos
actuais interesses de Putin e do poder que ele representa.
10.
Mas a
importância da Ucrânia e da Crimeia para a Rússia não decorre apenas da
vertente militar e étnica. Ela advém, igualmente, do facto de ser uma zona de
enorme potencial para a produção de bens alimentares, ser a Crimeia um pólo de
desenvolvimento turístico excepcional – pelas condições climáticas que possui –
sendo ainda a Ucrânia uma passagem obrigatória para boa parte do gás natural
que a Rússia fornece à Europa Ocidental.
11.
Devo realçar
o facto de o actual confronto prevalecente naquela região ser ainda a
manifestação de um conflito marcadamente político-ideológico, opondo os anseios
de uma boa parte da população ucraniana – especialmente a que vive na parte
ocidental do território – que se identifica com o modelo político democrático,
enquanto que as populações etnicamente russas estão ideologicamente mais
identificadas com o modelo autoritário que vigora na Rússia em muitas das
antigas Repúblicas Soviéticas.
12.
Há, pois, na
análise da questão ucraniana e, também, no caso específico da Península da
Crimeia, que atender às diversas dimensões desse complexo problema, onde ainda
pairam vestígios da história misturados com interesses militares e económicos presentes,
sem menosprezar as opções ideológicas e politicas das populações.
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