1. No dia 15 deste mês de Novembro, na habitual análise aos jornais que faço aos microfones da Rádio Ecclésia, elegi dois temas como os mais marcantes da semana anterior: A comemoração dos 35 anos da nossa independência, e a libertação, no dia 13, de Aung San Suu Kyi – a activista dos direitos humanos e também líder da oposição democrática na Birmânia.
2. Sobre os 35 anos de Angola independente, já muito se disse e escreveu. Falaram ou escreveram analistas, políticos, e o povo em geral também abordou o assunto nas suas diversas vertentes e nas mais variadas dimensões. Houve mesmo quem não tenha deixado de aproveitar a ocasião para capitalizar em proveito próprio, ou dos seus pares, o mérito da data. Cheguei, inclusive, a constatar tentativas de transformar cidadãos “vulgares” em “heróis”, mistificando assim, propositadamente, a nossa história. Mas houve também gente honesta que soube reconhecer o papel desempenhado pela vasta plêiade de protagonistas que engrossou as fileiras e dignificou a luta de libertação nacional.
3. O país que hoje temos é, pois, tributário do esforço dessas gerações de angolanos, muitos dos quais se manterão no anonimato para todo o sempre. Foi, em especial, para esses heróis anónimos que eu dirigi o meu pensamento no dia 11 de Novembro: os que nunca tiveram direito a uma campa, mesmo rasa, muito menos uma lápide a recordar o seu nome, a data do seu nascimento, ou o dia em partiram para lá da história... Heróis de verdade, heróis sem maquilhagem.
4. A segunda questão que elegi, a libertação de Aung San Suu Kyi, seguramente não terá prendido muito a atenção dos que me ouviram, já porque tudo se passou muito longe, demasiado distante das nossas fronteiras. Porém, atribuí ao facto um grande simbolismo. Vou, pois, aprofundar um pouco mais esta questão.
5. Finalmente, foi posta em liberdade uma mulher que viveu 15 dos últimos 20 anos em prisão domiciliária, fruto da sua luta pela liberdade e pela democracia. Ela, sim, é uma heroína de carne e osso, uma pessoa determinada e destemida que fez da liberdade do seu povo a principal motivação da sua vida. Trago, pois, o seu nome para o nosso convívio, para que a conheçamos melhor, a si e ao seu país.
6. O país de Aung San Suu Kyi, o Myanmar (antiga Birmânia), é complexo e muito enigmático. A sua complexidade decorre da história: serviu de ponto de confluência para vários grupos étnicos da sua região. Trata-se do país mais extenso do sudeste asiático, fazendo fronteira com a China, Índia, Tailândia, Laos e o Bangladesh. Sofreu a influência cultural de todos esses vizinhos, tornando-se palco de tensões engendradas pela história comum dos seus povos.
7. Foi colonizado pelos britânicos, e ocupado, temporariamente, pelos japoneses, durante a II Guerra Mundial. Depois de um curto período de tempo, foi retomado pelos britânicos. Em 1948, tornou-se independente, muito por força da acção reivindicativa dos monges budistas que souberam usar a religião como factor de ruptura entre colonizados e colonizadores. Até 1962, prevaleceu no país um regime democrático que foi derrubado pelos militares. Fruto da pressão interna e internacional, o regime militar realizou eleições no ano de 1990.
8. O Partido Nacional pela Democracia, de Aung San Suu Kyi, ganhou as eleições de 1990, arrecadando 60% dos votos e conquistando 80% dos assentos parlamentares. Porém, os resultados foram prontamente anulados pelos militares que não aceitaram abandonar o poder. Prenderam a líder do partido ganhador e instituíram um regime político bastante fechado, politicamente apoiado pela China. Ao contrário da economia da China, a economia do Myanmar cresce muito pouco, pelo que se transformou num dos países mais pobres da região e com poucas expectativas de bem-estar, mesmo que tenha sido no passado o maior exportador de arroz do mundo, e até o mais alfabetizado daquelas paragens.
9. Muito fechado dentro das suas fronteiras, as notícias que conseguem sair retratam, geralmente, acções de repressão, intolerância e violência. Essa é, por norma, a imagem de marca das ditaduras, de todas as ditaduras. Tenho ainda bem guardado na memória as imagens que, em Setembro de 2007, correram o mundo, mostrando a revolta pacífica dos monges budistas do Myanmar. Era a coragem dos monges budistas estampada nas suas passeatas de protesto pelas ruas de Rangum.
10. Os monges budistas destes tempos recuperaram o protagonismo dos monges budistas que lideraram a luta de libertação contra o poder colonial britânico. Tornaram-se, novamente, o porta-bandeira dos sentimentos do povo. Expressaram a alma do povo anónimo, do povo humilde, daqueles que não têm voz. O regime militar reprimiu-os, e o saldo em mortos e feridos foi bastante pesado.
11. O mundo repudiou a repressão que se seguiu aos protestos. Parecia o início de alguma coisa… E essa coisa, finalmente, aconteceu: Aung San Suu Kyi foi libertada no Sábado, dia 13, depois de ter vivido uma epopeia de cerca de 20 anos.
12. Pelo seu contributo na luta pela defesa dos direitos humanos, Aung San Suu Kyi foi agraciada, em 1990, com o Prémio Sakharov e, em 1991, com o Prémio Nobel da Paz. Não a deixaram sair para receber directamente o prémio que lhe foi atribuído.
13. Ela é filha de um dos heróis da luta pela independência do Myanmar – o general Aung San, assassinado quando a filha tinha 2 anos de idade. Ela está de novo em liberdade. Ninguém sabe por quanto tempo… Mas já manifestou disposição para continuar a defender a causa em que acredita. As suas referências são Ghandi e Nelson Mandela. Há mesmo quem a chame a Nelson Mandela no feminino.
14. Numa altura em que muitos optam por soluções violentas para resolver problemas políticos e sociais, soa bem ouvir o discurso integrador e pacífico dessa mulher que tinha tudo ou quase tudo para também apelar à violência. Mas ela percebeu, e bem, que a violência nem sempre é o melhor recurso para pôr fim à violência.
2. Sobre os 35 anos de Angola independente, já muito se disse e escreveu. Falaram ou escreveram analistas, políticos, e o povo em geral também abordou o assunto nas suas diversas vertentes e nas mais variadas dimensões. Houve mesmo quem não tenha deixado de aproveitar a ocasião para capitalizar em proveito próprio, ou dos seus pares, o mérito da data. Cheguei, inclusive, a constatar tentativas de transformar cidadãos “vulgares” em “heróis”, mistificando assim, propositadamente, a nossa história. Mas houve também gente honesta que soube reconhecer o papel desempenhado pela vasta plêiade de protagonistas que engrossou as fileiras e dignificou a luta de libertação nacional.
3. O país que hoje temos é, pois, tributário do esforço dessas gerações de angolanos, muitos dos quais se manterão no anonimato para todo o sempre. Foi, em especial, para esses heróis anónimos que eu dirigi o meu pensamento no dia 11 de Novembro: os que nunca tiveram direito a uma campa, mesmo rasa, muito menos uma lápide a recordar o seu nome, a data do seu nascimento, ou o dia em partiram para lá da história... Heróis de verdade, heróis sem maquilhagem.
4. A segunda questão que elegi, a libertação de Aung San Suu Kyi, seguramente não terá prendido muito a atenção dos que me ouviram, já porque tudo se passou muito longe, demasiado distante das nossas fronteiras. Porém, atribuí ao facto um grande simbolismo. Vou, pois, aprofundar um pouco mais esta questão.
5. Finalmente, foi posta em liberdade uma mulher que viveu 15 dos últimos 20 anos em prisão domiciliária, fruto da sua luta pela liberdade e pela democracia. Ela, sim, é uma heroína de carne e osso, uma pessoa determinada e destemida que fez da liberdade do seu povo a principal motivação da sua vida. Trago, pois, o seu nome para o nosso convívio, para que a conheçamos melhor, a si e ao seu país.
6. O país de Aung San Suu Kyi, o Myanmar (antiga Birmânia), é complexo e muito enigmático. A sua complexidade decorre da história: serviu de ponto de confluência para vários grupos étnicos da sua região. Trata-se do país mais extenso do sudeste asiático, fazendo fronteira com a China, Índia, Tailândia, Laos e o Bangladesh. Sofreu a influência cultural de todos esses vizinhos, tornando-se palco de tensões engendradas pela história comum dos seus povos.
7. Foi colonizado pelos britânicos, e ocupado, temporariamente, pelos japoneses, durante a II Guerra Mundial. Depois de um curto período de tempo, foi retomado pelos britânicos. Em 1948, tornou-se independente, muito por força da acção reivindicativa dos monges budistas que souberam usar a religião como factor de ruptura entre colonizados e colonizadores. Até 1962, prevaleceu no país um regime democrático que foi derrubado pelos militares. Fruto da pressão interna e internacional, o regime militar realizou eleições no ano de 1990.
8. O Partido Nacional pela Democracia, de Aung San Suu Kyi, ganhou as eleições de 1990, arrecadando 60% dos votos e conquistando 80% dos assentos parlamentares. Porém, os resultados foram prontamente anulados pelos militares que não aceitaram abandonar o poder. Prenderam a líder do partido ganhador e instituíram um regime político bastante fechado, politicamente apoiado pela China. Ao contrário da economia da China, a economia do Myanmar cresce muito pouco, pelo que se transformou num dos países mais pobres da região e com poucas expectativas de bem-estar, mesmo que tenha sido no passado o maior exportador de arroz do mundo, e até o mais alfabetizado daquelas paragens.
9. Muito fechado dentro das suas fronteiras, as notícias que conseguem sair retratam, geralmente, acções de repressão, intolerância e violência. Essa é, por norma, a imagem de marca das ditaduras, de todas as ditaduras. Tenho ainda bem guardado na memória as imagens que, em Setembro de 2007, correram o mundo, mostrando a revolta pacífica dos monges budistas do Myanmar. Era a coragem dos monges budistas estampada nas suas passeatas de protesto pelas ruas de Rangum.
10. Os monges budistas destes tempos recuperaram o protagonismo dos monges budistas que lideraram a luta de libertação contra o poder colonial britânico. Tornaram-se, novamente, o porta-bandeira dos sentimentos do povo. Expressaram a alma do povo anónimo, do povo humilde, daqueles que não têm voz. O regime militar reprimiu-os, e o saldo em mortos e feridos foi bastante pesado.
11. O mundo repudiou a repressão que se seguiu aos protestos. Parecia o início de alguma coisa… E essa coisa, finalmente, aconteceu: Aung San Suu Kyi foi libertada no Sábado, dia 13, depois de ter vivido uma epopeia de cerca de 20 anos.
12. Pelo seu contributo na luta pela defesa dos direitos humanos, Aung San Suu Kyi foi agraciada, em 1990, com o Prémio Sakharov e, em 1991, com o Prémio Nobel da Paz. Não a deixaram sair para receber directamente o prémio que lhe foi atribuído.
13. Ela é filha de um dos heróis da luta pela independência do Myanmar – o general Aung San, assassinado quando a filha tinha 2 anos de idade. Ela está de novo em liberdade. Ninguém sabe por quanto tempo… Mas já manifestou disposição para continuar a defender a causa em que acredita. As suas referências são Ghandi e Nelson Mandela. Há mesmo quem a chame a Nelson Mandela no feminino.
14. Numa altura em que muitos optam por soluções violentas para resolver problemas políticos e sociais, soa bem ouvir o discurso integrador e pacífico dessa mulher que tinha tudo ou quase tudo para também apelar à violência. Mas ela percebeu, e bem, que a violência nem sempre é o melhor recurso para pôr fim à violência.
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