quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

UMA SIMPLES QUESTÃO DE LÓGICA E DE VISÃO

1. Portugal, um dos países com quem temos relações mais estreitas, está nesta altura a atravessar uma profunda crise, que começou por ser económica, mas vai assumindo crescentes contornos sociais e mesmo políticos. A prazo, a crise portuguesa pode até provocar a queda do actual governo minoritário do Partido Socialista (PS). Se tal suceder, convocar-se-ão de eleições legislativas antecipadas, ou então formar-se-á um governo de iniciativa presidencial. Qualquer um destas soluções só pode ser viabilizada após as eleições presidenciais de Janeiro de 2011.

2. Há alguns anos, devido à relutância de alguns países europeus ocidentais em apoiar a Guerra do Iraque, o então Presidente norte-americano, George W. Bush, dividiu a Europa em dois grupos: à Europa Ocidental chamou “Velha Europa”; aos países europeus situados mais a Leste, denominou “Nova Europa”. Com tal dicotomia, o Presidente George W. Bush certamente quis dizer que havia uma Europa envelhecida, virada para o passado, muito pouco dinâmica, e uma Europa emergente, mais virada para o futuro – por coincidência, a constituída pelos países mais propensos a apoiar a sua proposta belicista.

3. Os países da “Velha Europa”, inseridos na União Europeia, são também os que vão sofrendo mais os impactos da crise económica e financeira mundial. Os da dita “Nova Europa” têm resistido mais, talvez porque a sua mais recente integração na União Europeia imponha menos obrigações. Além de que são receptadores líquidos de ajuda.

4. Grécia, Irlanda, Portugal são os que vivem as dificuldades económicas e financeiras mais profundas. Todos têm problemas de liquidez e estão a aplicar políticas restritivas para o seu reequilíbrio macroeconómico. Possuem uma enorme dívida pública; as economias não estão a crescer; não conseguem gerar suficientes novos empregos; e o acesso ao crédito internacional está a ser cada vez mais difícil e é mais caro. A sua actual situação económica é tão grave que os juros da dívida pública estão a atingir níveis proibitivos. Por isso, decidiram aplicar medidas de contenção dos gastos públicos, bem como aumentar o volume das receitas para reduzir o “gap”. Trata-se de um exercício de resultados imprevisíveis, podendo vir mesmo a redundar na contracção do nível da actividade económica.

5. As medidas de consolidação orçamental – congelamento dos salários, aumento dos impostos, abandono (ou redefinição) de alguns projectos económicos – forçam os cidadãos a apertar o cinto... Medidas que são bem vistas por muito poucos, e que são odiadas pela maioria.

6. Os partidos políticos da oposição em Portugal estão a utilizar o momento de grande fragilidade da economia para esgrimir argumentos contra o governo do PS e, sobretudo, contra o Primeiro-Ministro, José Sócrates. O governo e o Primeiro-Ministro vivem, seguramente, o seu momento mais difícil. Estão encaixados numa espécie de camisa de sete varas. Quaisquer movimentos que façam, picam-se…

7. O congelamento dos salários, o encarecimento dos preços e a subida de alguns impostos apoquentam a classe média e as classes mais desfavorecidas. O aumento da carga fiscal sobre as empresas desagrada os patrões, que vêem isso como uma perspectiva de redução dos lucros e também diminuída a sua capacidade de investimento – Sem investir, não podem criar mais empregos. Por sua vez, o abandono (ou o redimensionamento) de projectos quebra expectativas. Enfim, o governo português meteu a mão no ninho de marimbondos…, e está agora a ser ferrado por todos os lados…

8. Há grande descontentamento popular. Evolui uma onda grevista. As duas centrais sindicais do país estimulam as paralisações, e a economia portuguesa fica ainda mais fragilizada, e afasta-se para mais longe a hipótese de auto-regeneração.

9. Possivelmente, só haja uma solução: pedir auxílio à União Europeia (através do Fundo Europeu de Estabilização), e ao FMI (o Fundo Monetário Internacional). Foi isso o que fez o governo grego e o governo irlandês.

10. O governo português joga o tudo por tudo para evitar o pacote de ajuda internacional. A maioria dos analistas já não acredita que Portugal possa evitar tal solução. Estima-se que a ajuda venha a atingir o equivalente a 20% do PIB.

11. A ajuda internacional aos países em crise impõe condicionalismos. Muitos dos condicionalismos poderão até ser mais gravosos do que as medidas restritivas que estão agora a ser tomadas – o que parece ser a parte amarga da fruta que vem sob a forma de injecção massiva de dinheiro. Quem ajuda tem pelo menos dois objectivos: i) receber mais dinheiro do que o montante cedido; ii) ver realizadas as acções preconizadas.

12. O recurso ao auxílio estrangeiro é, para alguns, uma beliscadura na dignidade nacional, uma ferida na honra… Estamos perante um orgulho patriótico à maneira antiga, mas que é contraditório com o acelerado curso do processo de globalização. Corre ainda em sentido contrário ao processo de integração de que a Europa é campeã e tida como a maior referência mundial. Há também quem veja as coisas de outro modo: os que adivinham ainda maiores dificuldades, mesmo que temporárias.

13. O apoio financeiro não se resume à injecção de dinheiro para se ajustarem as contas, ele vem acompanhado de regras e envolvido em pressupostos: seguramente, novos impostos, novos cortes salariais, novas tesouradas na protecção social, redução dos benefícios fiscais para determinados escalões, ainda maior desprotecção da economia interna, etc.

14. Aproximam-se, pois, dias difíceis para Portugal e os seus parceiros de desdita. A principal potência económica europeia, a Alemanha, olha-os, certamente, com os olhos de um felino, pronto a entrar num galinheiro… Cheira-lhe a repasto…

15. O mau momento que Portugal agora vive não deixará de ter repercussões em Angola, já porque somos parceiro histórico e privilegiado.

16. Quando estávamos em guerra, muitos jovens angolanos procuraram Portugal, em busca de oportunidades. Portugal soube retirar proveito desse afluxo de mão-de-obra barata. A situação inverteu-se. Será que nós saberemos aproveitar bem a actual disponibilidade de força-de-trabalho que Portugal nos oferece? Será uma questão de lógica e de visão.

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