1. O povo grego demonstrou, mais uma vez,
que foi, realmente, o berço da democracia, assim como um dos principais responsáveis
pela criação da actual civilização ocidental e cultura europeia. Reiterou,
agora, este reconhecimento, pelo modo como tem reagido às profundas adversidades
decorrentes da turbulência que assola as suas vidas.
2. É inegável, por exemplo, o grande
sentido de justiça e de solidariedade dos gregos para com aqueles que demandam
o seu território, mesmo que temporariamente, em busca de segurança e de outras
oportunidades de vida. Refiro-me, concretamente, ao enorme fluxo de migrantes
que vão entrando pelas suas fronteiras, idos do Médio Oriente e do norte de África,
mas, também, mesmo que em menor número, idos de outras paragens, onde ainda impera
o medo, o terror e a fome.
3. Tem sido por muitas das ilhas gregas no
Mar Mediterrâneo que passam vários milhares de migrantes, saídos, sobretudo, da
Síria, Afeganistão, Líbano, Paquistão e, inclusive, do Irão. As suas ilhas mais
sacrificadas têm sido sempre Kos e Lesbos, dada à sua proximidade e condições
portuárias.
4. Mesmo vivendo momentos muito difíceis
do ponto de vista económico, social e até político, as autoridades gregas e as
populações locais não regateiam apoio aos necessitados, vítimas de múltiplas
formas de violação dos seus direitos, nos seus países de origem. Trata-se,
porém, de um apoio que se transforma em enorme peso para quem é obrigado a
resistir às medidas de austeridade impostas pelos parceiros e credores
internacionais.
5. Outra dimensão da grande capacidade
democrática e espírito de tolerância dos gregos vê-se no modo como se
sujeitaram à necessidade de irem por 3 vezes às urnas, em pouco menos de um
ano. Num tão curto período de tempo, o povo grego voltou a dirigir
maioritariamente o seu voto para o partido político que antes tinha elegido, e
que, na altura da negociação das medidas económicas com os seus parceiros, se
viu obrigado a soçobrar perante algumas das drásticas condições impostas, pois,
de outro modo, não teriam acesso aos fundos financeiros de que necessitam.
6. De novo nas urnas, os gregos
reiteraram confiança no Syriza, um partido de esquerda moderna, uma esquerda do
Século XXI, preocupada com os problemas actuais dos seus cidadãos e não virado
para soluções do passado. Com isso, o povo grego mostrou vontade e
determinação, rejeitando as formas ultrapassadas de governação, que conduziram à
actual situação de asfixiante endividamento, disseminação da corrupção,
ineficácia económica, penúria e de um verdadeiro caos social. Fizeram-no sem equívocos,
sem titubear. Agindo assim, os gregos partiram novamente para a luta contra os
interesses coligados das grandes corporações que, na verdade, dominam a
economia e a política internacional.
7. Novamente, os gregos não se deixaram
seduzir pelos que os atiraram para a actual situação – partidos ditos do
centro-direita e do centro-esquerda, a outra alternativa.
8. Os gregos deram um sinal de que algo
tem mesmo de mudar, neste mundo de novos problemas e que, por isso, exige novas
soluções. Os gregos voltaram a confiar em quem lhes aponta novos caminhos.
Assim, os gregos mostraram discernimento e grande capacidade de encaixe, de
resistência às adversidades. Têm, agora, outra oportunidade para travarem um
diálogo mais construtivo e mais equilibrado com os seus parceiros
internacionais.
9. Depois da anterior negociação – que
mais parecia uma luta mitológica do tipo “David contra Golias” - é expectável
que os credores internacionais da Grécia entendam a necessidade de, finalmente,
prevalecer o princípio do realismo aliado ao do pragmatismo. É que a Europa e o
mundo estão a mudar, precisando, por isso, de novas soluções e de protagonistas
com capacidade para compreenderem as presentes mutações.
10.
A crescente globalização de todos os processos faz com que nenhum país,
por si só, seja capaz de encontrar soluções viáveis, abstraindo-se das
múltiplas interconexões existentes, sobretudo na economia. Assim o mostram, por
exemplo, os recentes impactos da queda do preço do petróleo no mercado mundial,
com os países produtores e essencialmente exportadores a perderem receitas, e
os outros com as suas contas públicas mais aliviadas. Seja como for, a prazo,
todos serão afectados, pois a economia mundial está profundamente interligada…
11.
A Grécia dos nossos dias já não é mais o conjunto de cidades-Estados do
passado, com as suas próprias estruturas organizativas, que comercializavam,
mas que também se guerreavam entre si. A Grécia de hoje é uma nação única, pertencente
a um espaço de integração regional, que se encontra no mais avançado estado de
desenvolvimento.
12.
Qualquer erro de avaliação cometido pelos políticos actuais, poderá lançar
por terra o sonho dos pais-fundadores da União Europeia, que viam nela não
apenas um modo eficaz de promover o desenvolvimento e a competitividade, mas,
também, um veículo para travar a verdadeira autofagia em que a Europa se foi
envolvendo ao longo dos anos, sempre com destruidoras guerras intestinas.
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