quarta-feira, 24 de junho de 2015

A GÊNESE DAS NOVAS SEITAS


1.  Há menos de um mês, participei, na Tv Zimbo, num debate televisionado alusivo aos 13 anos da assinatura dos acordos de paz entre o governo angolano e a Unita. Achei interessante tal forma de reavivar a memória, na convicção de que, no presente e, sobretudo, no futuro, seria, assim, mais fácil evitar o cometimento de novos e graves erros, de prevenir eventuais convulsões, estas agora com novos protagonistas e outras motivações profundas.

 

2.  Disse, então, que uma das minhas maiores preocupações é o recente processo de crescimento da nossa economia subsequente à paz, ter ocorrido em simultâneo com o aumento das desigualdades sociais.

 

3.  Já é indisfarçável que se assiste, cada vez mais, a uma forte concentração da riqueza em poucas mãos, e ao depauperamento galopante de largas parcelas da nossa população, mesmo que seja igualmente perceptível a emergência de uma “tímida” classe média, com algum poder de compra e com níveis de exigência crescentes. O configura, pois, uma dimensão contraditória: o crescimento da economia não se traduziu ainda em desenvolvimento económico e social, pois não tem sido inclusivo nem extensivo. O presente crescimento gerou, sim, “ilhas” de exuberância e de muito fausto, irrompidas num “mar” de crescentes e profundas dificuldades.

 

4.  Se a extrema pobreza era uma das marcas dos tempos da guerra, a paz permitiu aprofundar ainda mais as assimetrias, concentrando a riqueza no litoral e, mais concretamente, em Luanda, reiterada como o ponto de partida e de chegada das decisões económicas, políticas e sociais.

 

5.  Mesmo em Luanda, há uma flagrante duplicidade: um indisfarçável abandono pela governação das populações mais periféricas, vivendo mergulhadas na promiscuidade, na insalubridade e reféns da criminalidade. A estes resta, pois, observar, à distância, a arrogância de um luxo inclemente, a que pomposamente se pretende chamar “modernidade”.

 

6.  A paz trouxe, também, a reboque a tomada das terras de cultivo das periferias de Luanda, muitas delas transformadas agora em local de habitação para a nossa “tímida” classe média, ela também carente de espaço vital.

 

7.  Tais terras de cultivo eram o único ou o mais privilegiado modo de subsistência para inúmeros deslocados da guerra cruel de dezenas de anos. De pequenos agricultores, muitos deles, passaram à condição de prestadores de serviços eventuais, sempre mal remunerados e, até, humilhados. E os que escaparam a um emprego precário, vão caindo na marginalidade, tendo como destino quase certo as cadeias ou uma morte inglória.

 

8.  Se é verdade que a paz restituiu alguma acalmia ao campo e às pequenas vilas, não deixa de ser verdade que hoje elas desconhecem em absoluto o bem-estar que lhes foi insistentemente prometido.

 

9.  Esbulhados das melhores terras, asfixiados pela propaganda política que demoniza os adversários, sujeitos a poderes locais que os menosprezam e humilham, os desvalidos da sorte do nosso país procuram nos espaços de fé soluções imaginárias para os seus problemas reais e concretos.

 

10.                  As religiões mais formalistas acodem-nos nas suas orações e, algumas delas desenvolvem com enorme sacrifício acções de solidariedade. Mas, no extremo, acenam-lhes com promessas de um bem-estar celestial, desde que se redimam dos pecados aqui cometidos. Será, porém, no Céu, fundamentalmente, que terão aquilo que lhes foi negado na terra…

 

11.                  Aqueles que os exploram, espoliam, oprimem e maltratam ocupam hoje os espaços de maior visibilidade nos cultos, onde são tratados com a maior deferência, ganho que está todo o bem-estar na terra e aspirando agora ao mesmo no Céu…

 

12.                  Não é, pois, de estranhar que, cada vez mais, surjam “profetas” enumerando soluções miraculosas para todo tipo de maleitas e dificuldades. Enunciam curas de doenças, formulam esquemas rápidos de enriquecimento pessoal, ao que aderem alguns dos mais desesperados. Para estes, a salvação ainda pode estar na terra, basta rezar e acreditar nas “fórmulas” dos “profetas”.

 

13.                  Mas há os que desesperaram completamente e, por isso, seguem as recomendações e ordens de “profetas” mais radicais que dizem que está para breve o fim do mundo…

 

14.                  Estas últimas seitas, assim como as anteriores são, sobretudo, uma consequência da pobreza e da extrema miséria em que vivem largas camadas da nossa população. Uma pobreza e uma miséria que assumem contornos materiais, éticos e morais. As seitas são o refúgio dos desesperados, daqueles que facilmente seguem quem lhes acene com soluções miraculosas, ou com o aproximar do fim do mundo… As seitas são frequentadas por gente que crê, que crê profundamente, mas que desespera… Elas, em si, não são o mal. O mal é que as criou…

 

15.                  Que fique claro: as saídas radicais apenas proliferam lá onde as alternativas viáveis praticamente se esgotaram. Por isso, é que mentes loucas ou quase loucas conseguem, por vezes, arrastar para o abismo gente de boa-fé, mas gente que desespera...

 

16.                  A solução não passa, como já se faz parecer, por matar todos quantos seguem o “profeta”, mas, sim, evitar criar condições que geram tais “profetas” e, também, tais “profecias”…

 

17.                  O pior erro que se pode estar a cometer, é assumir as seitas actuais como uma emanação do “antigo inimigo”. O “antigo inimigo” tinha uma outra gênese e uma outra genética. Ele foi um fruto, sim, de não se ter sabido aceitar a diferença. E de não se ter tido a arte e a sageza suficientes para o acolher como uma parte de pleno direito do todo nacional.

 

18.                  Repito: As seitas só medram em terreno fértil, em terreno estrumado pela miséria, pela intolerância. E, sobretudo, pela ineficácia das políticas e incapacidade de resposta dada pelos Estados e pelas crenças tradicionais.

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