1. Há menos de um mês, participei, na Tv
Zimbo, num debate televisionado alusivo aos 13 anos da assinatura dos acordos
de paz entre o governo angolano e a Unita. Achei interessante tal forma de
reavivar a memória, na convicção de que, no presente e, sobretudo, no futuro,
seria, assim, mais fácil evitar o cometimento de novos e graves erros, de
prevenir eventuais convulsões, estas agora com novos protagonistas e outras
motivações profundas.
2. Disse, então, que uma das minhas maiores
preocupações é o recente processo de crescimento da nossa economia subsequente
à paz, ter ocorrido em simultâneo com o aumento das desigualdades sociais.
3. Já é indisfarçável que se assiste,
cada vez mais, a uma forte concentração da riqueza em poucas mãos, e ao
depauperamento galopante de largas parcelas da nossa população, mesmo que seja igualmente
perceptível a emergência de uma “tímida” classe média, com algum poder de
compra e com níveis de exigência crescentes. O configura, pois, uma dimensão
contraditória: o crescimento da economia não se traduziu ainda em
desenvolvimento económico e social, pois não tem sido inclusivo nem extensivo.
O presente crescimento gerou, sim, “ilhas” de exuberância e de muito fausto,
irrompidas num “mar” de crescentes e profundas dificuldades.
4. Se a extrema pobreza era uma das
marcas dos tempos da guerra, a paz permitiu aprofundar ainda mais as
assimetrias, concentrando a riqueza no litoral e, mais concretamente, em
Luanda, reiterada como o ponto de partida e de chegada das decisões económicas,
políticas e sociais.
5. Mesmo em Luanda, há uma flagrante
duplicidade: um indisfarçável abandono pela governação das populações mais
periféricas, vivendo mergulhadas na promiscuidade, na insalubridade e reféns da
criminalidade. A estes resta, pois, observar, à distância, a arrogância de um
luxo inclemente, a que pomposamente se pretende chamar “modernidade”.
6. A paz trouxe, também, a reboque a
tomada das terras de cultivo das periferias de Luanda, muitas delas transformadas
agora em local de habitação para a nossa “tímida” classe média, ela também
carente de espaço vital.
7. Tais terras de cultivo eram o único
ou o mais privilegiado modo de subsistência para inúmeros deslocados da guerra
cruel de dezenas de anos. De pequenos agricultores, muitos deles, passaram à
condição de prestadores de serviços eventuais, sempre mal remunerados e, até,
humilhados. E os que escaparam a um emprego precário, vão caindo na
marginalidade, tendo como destino quase certo as cadeias ou uma morte inglória.
8. Se é verdade que a paz restituiu
alguma acalmia ao campo e às pequenas vilas, não deixa de ser verdade que hoje elas
desconhecem em absoluto o bem-estar que lhes foi insistentemente prometido.
9. Esbulhados das melhores terras, asfixiados
pela propaganda política que demoniza os adversários, sujeitos a poderes locais
que os menosprezam e humilham, os desvalidos da sorte do nosso país procuram nos
espaços de fé soluções imaginárias para os seus problemas reais e concretos.
10.
As religiões mais formalistas acodem-nos nas suas orações e, algumas
delas desenvolvem com enorme sacrifício acções de solidariedade. Mas, no
extremo, acenam-lhes com promessas de um bem-estar celestial, desde que se
redimam dos pecados aqui cometidos. Será, porém, no Céu, fundamentalmente, que
terão aquilo que lhes foi negado na terra…
11.
Aqueles que os exploram, espoliam, oprimem e maltratam ocupam hoje os
espaços de maior visibilidade nos cultos, onde são tratados com a maior
deferência, ganho que está todo o bem-estar na terra e aspirando agora ao mesmo
no Céu…
12.
Não é, pois, de estranhar que, cada vez mais, surjam “profetas”
enumerando soluções miraculosas para todo tipo de maleitas e dificuldades.
Enunciam curas de doenças, formulam esquemas rápidos de enriquecimento pessoal,
ao que aderem alguns dos mais desesperados. Para estes, a salvação ainda pode
estar na terra, basta rezar e acreditar nas “fórmulas” dos “profetas”.
13.
Mas há os que desesperaram completamente e, por isso, seguem as
recomendações e ordens de “profetas” mais radicais que dizem que está para
breve o fim do mundo…
14.
Estas últimas seitas, assim como as anteriores são, sobretudo, uma
consequência da pobreza e da extrema miséria em que vivem largas camadas da
nossa população. Uma pobreza e uma miséria que assumem contornos materiais,
éticos e morais. As seitas são o refúgio dos desesperados, daqueles que
facilmente seguem quem lhes acene com soluções miraculosas, ou com o aproximar
do fim do mundo… As seitas são frequentadas por gente que crê, que crê
profundamente, mas que desespera… Elas, em si, não são o mal. O mal é que as
criou…
15.
Que fique claro: as saídas radicais apenas proliferam lá onde as
alternativas viáveis praticamente se esgotaram. Por isso, é que mentes loucas
ou quase loucas conseguem, por vezes, arrastar para o abismo gente de boa-fé,
mas gente que desespera...
16.
A solução não passa, como já se faz parecer, por matar todos quantos
seguem o “profeta”, mas, sim, evitar criar condições que geram tais “profetas”
e, também, tais “profecias”…
17.
O pior erro que se pode estar a cometer, é assumir as seitas actuais como
uma emanação do “antigo inimigo”. O “antigo inimigo” tinha uma outra gênese e
uma outra genética. Ele foi um fruto, sim, de não se ter sabido aceitar a
diferença. E de não se ter tido a arte e a sageza suficientes para o acolher
como uma parte de pleno direito do todo nacional.
18.
Repito: As seitas só medram em terreno fértil, em terreno estrumado pela
miséria, pela intolerância. E, sobretudo, pela ineficácia das políticas e
incapacidade de resposta dada pelos Estados e pelas crenças tradicionais.
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