1. O drama dos emigrantes africanos - e
também asiáticos - que procuram refúgio na Europa, já tomou contornos demasiado
assustadores, tal é o número dos que vão morrendo nas águas do Mar Mediterrâneo,
tal é também o estado deplorável dos que chegam a bom porto, os poucos que ainda
conseguem sobreviver.
2. Trata-se de uma emigração dos tempos
modernos que, forçosamente, nos faz remeter para um outro período negro da
história quando, sobretudo, no Oceano Atlântico, repousavam os corpos de alguns
dos nossos ancestrais, forçados a caminhar para terras desconhecidas e para
destinos incertos.
3. Muitos dos que ficaram para sempre nos
fundos do Oceano, foram atirados ao mar pelos próprios traficantes negreiros
que, assim, se descartavam de uma “carga” tornada, entretanto, ilícita, à luz
das novas regras impostas pelas nações mais poderosas, que iniciaram mais cedo
o processo de desenvolvimento capitalista, em especial, a Inglaterra e a
França.
4. O tráfico negreiro português permaneceu, por
sua vez, por muito mais tempo, alimentando um modo de produção que se tornara
obsoleto e contrário a uma nova consciência cívica e política, então emergente.
Para alguns historiadores, nesse relativamente curto período de tempo, terão
perecido no mar, talvez mais homens e mulheres do que os desaparecidos
anteriormente.
5. Parte do desenvolvimento económico
que se verificou nas novas nações, entretanto, surgidas do outro lado do
Atlântico, se deveu precisamente ao labor desses homens e mulheres que
conseguiram chegar com vida aos novos destinos.
6. De algum modo, não poucas nações
europeias beneficiaram desse trabalho escravo, de que resultou um processo de
acumulação de capital que as ajudou a progredir.
7. Os nossos países tornados
independentes geraram uma esperança de dias melhores. Geraram espectativas,
entretanto, goradas, que fizeram do nosso continente um espaço pouco acolhedor
para boa parte dos seus filhos. Sobreveio a intolerância e a fome. E muitos dos
que ainda podem aspirar a uma vida melhor buscam, pois, outro porto de abrigo
onde possam começar tudo de novo.
8. Os actuais emigrantes que demandam desesperadamente
a Europa provêm de zonas de conflito, em especial do norte de África – e também
um pouco da Ásia – ou de países onde prevalece a fome e a intolerância política
e religiosa.
9. O facto de muitos emigrantes saírem
de zonas de risco – tais como a Líbia, Egipto ou mesmo a Síria - tem servido de
argumento para quem defende a ideia de que as lutas para a instauração de
regimes democráticos são, pois, lutas desnecessárias e perversas. Desse modo,
os regimes ditatoriais seriam, afinal, o garante da paz e da estabilidade - uma
tese que não faz sentido.
10.
Tais regimes consolidaram-se quase sempre muito a custa de uma cega repressão
dos opositores e sobre algumas comunidades. Foram mesmo eles que criaram todos
os condimentos para que os actuais processos políticos conheçam enormes
dificuldades.
11.
Dificilmente se assiste a
verdadeiras transições democráticas, porque emergiram novas contradições, ou
reacenderam contradições adormecidas mas nunca resolvidas. O resultado tem sido
a violência que empurra milhares de pessoas para uma emigração massiva e em
desespero.
12.
Emigrantes desesperados provêm ainda de países vizinhos ou até mesmo
distantes daqueles onde se verificaram revoluções para pôr fim às ditaduras. De
países pobres ou empobrecidos pela má governação, pela avidez do poder e pelo
carácter depredador das suas elites dirigentes.
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