1. Ao mesmo tempo que, em Angola, se
levanta a questão da violência policial exercida contra os seguidores do
“profeta” José Kalupeteca, nos Estados Unidos da América, o que mais chama a
atenção da opinião pública é a vandalização da cidade de Baltimore, no Estado
de Maryland, na sequência da morte de um jovem negro de 25 anos de idade,
Freddy Gray, aparentemente em resultado do uso desproporcionado da força por
parte de polícias locais.
2. Aqui entre nós, as autoridades fazem tudo
para impedir o acesso ao local onde se cometeu o crime – que começou pela morte
de agentes da polícia, atribuída à seita, desencadeando, de seguida, uma forte vaga
de repressão contra os seus membros. Como se já não bastasse, os órgãos de
comunicação social públicos empreenderam uma campanha de “desinformação”, visando
criar a ideia de que, para além de alguns mortos “quase acidentais”, a acção
das autoridades visou pura e simplesmente repor a ordem pública, evitando,
desse modo, que a paz social e a unidade nacional fossem postas em causa…
3. Na apresentação pública do
acontecido, deu-se voz apenas e tão-somente a quem se achou “conveniente”,
nestas circunstâncias, ou seja, polícias, políticos, autoridades religiosas de
outras confissões e populares praticamente escolhidos a dedo. Não se deu vez
nem voz, nos órgãos públicos, aos membros da seita acossados pela repressão, aos
habitantes das zonas periféricas, aos familiares das vítimas, etc. Montou-se, assim,
na perfeição, todo o cenário para que a “verdade” seja aquela que, afinal, mais
interessa…
4. Por sua vez, nos Estados Unidos da
América, mesmo com protestos contra atitudes tidas como tendenciosas por parte
de certa comunicação social, todavia, vai se notando um grande envolvimento das
autoridades para se apurarem as reais circunstâncias que levaram a que o jovem
negro, detido pela polícia, viesse a morrer.
5. Pelas suas características
demográficas, ainda está presente o risco de a violência despoletada em
Baltimore vir a “contaminar” outros estados e cidades norte-americanas, algumas
das quais viveram, recentemente, tensões raciais, fruto da morte de cidadãos
negros, pela acção violenta de polícias brancos.
6. Dadas as causas históricas remotas
que a motivaram, estou seguro que a tensão racial nos Estados Unidos da América
ainda está demasiado longe de ter os dias contados. E, só pelo facto de ter
havido, pela primeira vez na história do país, um Presidente não branco, de
modo algum será removida a totalidade da carga negativa que se acumulou no
processo de constituição daquele país.
7. Os actuais antagonismos com base na
raça perdurarão por muitos mais anos, mesmo com as recentes alterações
políticas que têm levado a uma maior participação e inclusão dos negros. O
racismo e a desconfiança racial são cultura e uma cultura não se dissipa com
facilidade.
8. Por norma, quando se verificam
determinados protestos políticos, os anarquistas de todo tipo aproveitam-nos
para dar vasão aos seus instintos. Também os criminosos, reais ou potenciais,
juntam-se-lhes, fazendo degenerar o que começou por ser um protesto político, numa
verdadeira arruaça, com a destruição de bens públicos e privados. Este é o
momento vivido em Baltimore, nos EUA. Os gangs estão na rua, confundindo, com o
seu vandalismo, a legitimidade do protesto inicial.
9. No Monte Sumi, na província angolana
do Huambo, as coisas inverteram-se. Terá havido, de início, uma reacção
violenta por parte dos seguidores de Kalupeteca que culminou no assassinato de
agentes policiais. De seguida, as autoridades policiais desencadearam uma acção
repressiva descomunal, matando indiscriminadamente populares que acreditaram
nas “profecias” de Kalupeteca. E, pelo que se diz, a perseguição continuou,
havendo já a lamentar um número significativo de civis inocentes.
10.
As
autoridades têm feito tudo para evitar uma análise independente dos factos,
enquanto que as autoridades norte-americanas procuram conhecer a verdade, para
prevenir situações futuras idênticas.
11.
São,
pois, dois casos graves acontecidos em países muito distanciados um do outro, onde
os actores também têm tido desempenhos completamente distintos. Num dos casos,
a base do conflito é a questão racial, no outro, no nosso, é uma forma errada
de combater uma seita religiosa.
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