1. A aparente acalmia decorrente do
pré-acordo estabelecido entre o Irão e as potências designadas por “Grupo 5+1”
(EUA, França, Inglaterra, China, Rússia e Alemanha) relegou, pelo menos por
algum tempo, para plano secundário a complexidade do conflito que está a afligir
o Iémen. Trata-se de um conflito onde há que destacar, primeiro que tudo, os seus
actores internos, hoje perfeitamente identificados, nomeadamente: os apoiantes
do Presidente da República, Abd-Rabbo Mansour Hadi e do seu governo; o grupo
rebelde Houthi, temporariamente aliado às forças fiéis ao ex-Presidente da
República, Alli Abdullah Saleh; e o grupo terrorista conhecido como a Al-Qaeda
da Península Arábica.
2. As actuais divergências prevalecentes
no Iémen podem ter raízes no remoto passado histórico do país, pois ele resultou
da unificação de dois territórios vizinhos com gêneses distintas.
3. A parte noroeste do país, com capital
em Sana’a, correspondia ao Reino do Iémen, que se desvinculou do Império
Otomano em 1918, tendo, em 1962, passado a designar-se República Árabe do
Iémen, e permanecido como Estado independente até 1990, com fortes vínculos ao
Ocidente
4. A parte sul, com capital em Aden,
constituiu-se, em 1967, na República Democrática e Popular do Iémen, filiada
aos chamados estados socialistas, de onde sobressaíam a União Soviética e a
China. Até à sua independência, foi um domínio do Reino Unido. A reunificação
das duas Repúblicas dá-se, pois, em 1990. O domínio otomano sobre a parte norte
e o domínio britânico sobre a parte sul terão, pela certa, deixado as suas
marcas, mesmo que disfarçadas.
5. Os Houthis, zaiditas de raiz
religiosa xiita, habitam predominantemente no norte do país, mais precisamente
na parte fronteiriça com o Irão.
6. Há pouco tempo, os rebeldes Houthis
desencadearam uma ofensiva contra o governo do Presidente Abd-Rabbo Mansour
Hadi, obrigando-o a refugiar-se no sul do país e fixar-se em Aden, principal
porto de mar e porta obrigatória para os navios que entram no Mar Vermelho, caminhando
do Golfo Pérsico e do Golfo de Omã, ou vindos de outras regiões costeiras
asiáticas e africanas, demandando o Mar Mediterrânico.
7. Os actuais aliados internos dos
Houthis são os partidários do ex-Presidente Alli Abdullah Saleh, originário da
parte norte do país, que esteve no poder durante 32 anos, de onde foi afastado aquando
da chamada Primavera Árabe.
8. A Al-Qaeda da Península Arábica, ramo
da Al-Qaeda que resultou da junção de grupos radicais sunitas da Arábia Saudita
e do Iémen, é um dos alvos dos Houthis. A al-Qaeda da Península Arábica é tida
pelos EUA como um dos grupos jihadistas mais perigosos. Reivindicaram, por
exemplo, o recente massacre de jornalistas da revista satírica francesa,
Charlie Hebdo, e levaram a cabo acções militares de grande envergadura dentro
do Iémen.
9. Estes são os actores internos de um
conflito que rapidamente estimulou forte intromissão externa. Presentemente,
cerca de dez países árabes participam no combate aos rebeldes Houthis. Como
sabemos, de feição xiita, tal como o Irão.
10.
O conflito no Iémen não pode ser visto tão-somente na perspectiva
histórica, como sendo um resultado apenas das diversas gêneses das suas partes
internas. Ele reflecte ainda a presente correlação de forças entre os dois
principais ramos do islamismo no Médio Oriente e em todo o mundo – o sunismo e
o xiismo.
11.
Com o beneplácito da Liga Árabe, dominada pelo ramo sunita do Islão, a
Arábia Saudita capitaneia a coligação que se opõe aos Houthis (xiitas) que, por
sua vez, são apoiados pelo Irão, um país islâmico, porém, não árabe. Este
particular pode ajudar a entender o porquê de, em tão pouco tempo, ter sido
possível estabelecer-se a presente coligação.
12.
O Golfo de Aden joga um papel crucial no comércio mundial, à semelhança
do Estreito de Ormuz - situado na separação entre o Golfo Pérsico do Golfo de
Omã - por onde passa uma parte significativa do petróleo que se dirige a países
como o Japão, China, Índia e Coreia do Sul, das mais importantes economias
dessa parte oriental do mundo. Pelo Golfo de Aden passa o petróleo que provém
do Golfo Pérsico e que vai para o Ocidente, sendo a via mais curta e, por isso
mesmo, a menos dispendiosa. A sua passagem pelo sul de África, por ser mais
demorada, seria enormemente custosa.
13.
O conflito no Iémen não pode durar muito mais tempo, sob pena de pôr em
causa o comércio mundial, num espaço geográfico propenso aos extremismos e
muito marcado pela pirataria marítima. Recordemos, por exemplo, o estado em que
ficou a Somália, depois do desaparecimento de Muhammad Siad Barre, e como tal
impactou naquela parte do mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário