quarta-feira, 24 de junho de 2015

“O ATENTADO” E “O GOLPE” – 46 ANOS DEPOIS


1.  Participei, em 2008, nas instalações da Assembleia da República Portuguesa, num colóquio internacional comemorativo do 35º aniversário do encerramento do Campo de Concentração do Tarrafal (Cabo Verde), organizado por personalidades portuguesas ligadas ao movimento cívico “Não Apaguem a Memória”, que decidiram atribuir ao colóquio este simbólico título: “Tarrafal, uma prisão de dois continentes”. Com tal designação, os organizadores pretenderam evocar as duas grandes etapas do Campo de Concentração do Tarrafal.

 

2.  A primeira etapa do Campo do Tarrafal (1936/1954), correspondeu ao período em que por lá passaram (e muitos morreram) oposicionistas portugueses como, por exemplo, o então líder do Partido Comunista Português, Bento Gonçalves (morto em 1942), Gabriel Pedro - pai do meu amigo, agora nonagenário, Edmundo Pedro - mas, igualmente, Fernando Alcobia e Joaquim Faustino Campos, entre outros resistentes de diversas sensibilidades políticas. A segunda etapa (1962 a 1974) diz respeito ao período em que esse Campo de Concentração esteve povoado por presos políticos oriundos de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

 

3.  É bom, porém, assinalar também que, na segunda fase do Campo, coexistiram, mesmo que em áreas separadas, presos políticos com presos de delito comum cabo-verdianos.

 

4.  Eu e o Manuel Pedro Pacavira, hoje Embaixador, antigos presos políticos do Campo do Tarrafal, representámos os presos angolanos. O Jaime Cohen e o Luandino Vieira, também convidados, não estiveram presentes, embora o primeiro tenha mandado o seu depoimento por escrito.

 

5.  O Ex-Secretário Executivo da CPLP, Luís Fonseca, representou a geração dos presos políticos cabo-verdianos, tendo ainda participado como oradora a resistente cabo-verdiana Maria da Luz Boal (Lilica), esposa do Médico Manuel Boal (angolano radicado em Cabo Verde, onde assumiu cargos de enorme responsabilidade), ele também resistente do processo anticolonial, que a partir de certa altura, passou a militar no PAIGC, juntamente com Amílcar Cabral.

 

6.  Maria da Luz Boal é filha de “Nhá Beba”, figura grande da Vila do Tarrafal) e de Nhô Papacho, um casal que se mostrou sempre solidário com os presos, e a quem alguns muito ficaram a dever. Recordo-me também ter estado presente no colóquio, como orador, um ex-tarrafalista oriundo da Guiné-Bissau, Joaquim Lopes da Costa.

 

7.  Nesse ano de 2008 ainda viviam três ex-tarrafalistas resistentes antifascistas portugueses, dois dos quais se fizeram presentes: Edmundo Pedro, com um rico depoimento, percorrendo o seu longo e multifacetado caminho de vida, e Joaquim de Sousa Teixeira, que, por estar já demasiado debilitado, se fez ouvir pela voz da esposa, numa narrativa sobre a luta e a vida clandestina de ambos.

 

8.  O colóquio, “Tarrafal, uma prisão de dois continentes” foi aberto pelo então Presidente da Assembleia da República Portuguesa, Jaime Gama, ladeado pelo Ministro da Justiça de Portugal, Alberto Costa e pela Governadora Civil de Lisboa, Dalila Araújo.

 

9.  Fez parte do painel em que fui orador, um oficial do Marinha portuguesa, Miguel Judas, integrante do MFA (Movimento das Forças Armadas) em Cabo Verde, com a patente de Major, aquando da libertação do Campo do Tarrafal. Foi testemunha do momento da minha libertação e dos restantes companheiros, e apresentou-me à plateia.

 

10.                  A determinada altura, Miguel Judas questionou-me sobre se era verdade que uma das razões de a PIDE (a polícia política portuguesa) ter decidido prender-nos – a mim e ao meu grupo – teria sido o conhecimento de que pretendíamos matar o então Primeiro-Ministro português, o Professor Marcelo Caetano, durante a visita que estava programada a Angola. Respondi-lhe que não era bem assim, que não queríamos matar, mas, sim, “aplicar-lhe um susto”, um “susto” que produziria uma forte repercussão interna e internacional.

 

11.                  É evidente que um tal “arrepio” aplicado, em Luanda, ao Professor Marcelo Caetano seria um acto forte e muito mobilizador para a nossa luta de libertação, e lançaria por terra a propaganda colonial, segundo a qual a nossa luta era apenas levada a cabo por um punhado muito restrito de pessoas, geralmente alimentadas a partir do exterior. Agindo assim, cá dentro, em Luanda, o “arrepio” ao Presidente do Conselho fascista e colonialista valeria muito mais do que vários ataques a colunas do exército português nas picadas do interior… “A nossa verdadeira intenção não era matá-lo, mas, apenas, pregar-lhe um ‘susto´”. E acrescentei: “Como é lógico, tivemos todo um outro conjunto de razões para sermos presos, como expressam os nossos processos”.

 

12.                  Recordei-me desse episódio da minha vida, quando ouvi, e depois li, afirmações segundo as quais um grupo de jovens, ligados ao denominado Movimento Revolucionário, teria sido recentemente preso em Luanda, alegadamente por estar implicado numa tentativa de “golpe de Estado”, pondo assim em causa as instituições republicanas.

 

13.                  O tempo que separa o meu caso – e dos meus companheiros – acusados de prepararmos um “atentado” contra a vida do Professor Marcelo Caetano e o caso do suposto “golpe de Estado” “engendrado” por um pequeno núcleo de jovens são 46 anos.

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